Monday, December 23, 2013

Art, Music, Love - 2013

Mais-mais do ano. Do meu ano.

Filmes
Tony Parsons, além de crítico musical, é escritor. Já na primeira página de "The Family Way", um de seus romances, ele avisa: "pais estragam a primeira parte da sua vida; filhos, a segunda". O austríaco "Paradise: Hope" tem aquela melancolia dos filmes de Sofia Coppola e Wes Anderson. Meninos e meninas tendo seus dias estragados por pais obtusos. A molecada, despejada e meio esquecida em uma espécie de acampamento de férias para adolescentes gordinhos, vive uma rotina de pouca comida, horários rígidos e desajeitadas sessões de ginástica. O filme encanta quando você se dá conta de que a turminha, conformada, aceita na boa aquilo que é repugnante para seus pais: seus corpos.
O que leva uma menina linda, rica, amada pela família a gostar de se prostituir? Aos dezessete anos, nem a própria Isabelle sabe explicar. Filme inteligente, que te obriga a prestar atenção no ambiente e personagens cercando a protagonista, para então achar suas respostas. E é impressionante como um homem conseguiu entender e reproduzir a por vezes tensa relação entre duas mulheres. Uma garota bonita, que o tempo aos poucos carrega em direção ao auge da beleza, e uma mãe ainda bela, mas que caminha na contramão. Destaque para a cena da festa, em que Isabelle dança ao som de "Teen Angst" do M83.

  
Livros
Desesperado, um rapaz persegue a ex-namorada. Fugindo em um carro, a garota transporta no banco do passageiro um bem valioso. O coração do moço. Uma mulher corre desesperada pelas ruas da cidade. Não consegue se esconder do leão que a ameaça, e que conhece tão bem. Era um desenho tatuado em seu corpo, que misteriosamente ganhou vida. Uma esposa não sabe lidar com o marido derretendo como neve. Um homem não compreende porque, dia-a-dia, sua mulher vai encolhendo um pouco. Fábula fantástica, original e encantadora condensada em um livrinho curto, de capa charmosa. Se eu pudesse escolher alguém para filmá-la, com certeza seria Michel Gondry.
Estou na metade, e adorando. Lançamento em inglês de "El Ruido De Las Cosas Al Caer". Bogotá, anos 90, truculência e medo semeados pelo crime organizado, que extermina políticos, juízes e acerta contas com ex-comparsas. Em meio ao caos, cidadãos comuns sofrem as consequências. No centro da cidade, motoqueiros armados matam um ex-presidiário e ferem gravemente um jovem professor de Direito. Anos depois, marcado pelo trauma, ele inicia uma investigação. Narrativa linda e poética do que é sobreviver e se apaixonar em um país violento da América do Sul. E também daqueles sentimentos e impressões universais; o protagonista, ao conhecer a filha do homem que viu morrer, explica: "I immediately realized she was about the same age as me, more or less, although I couldn't say what secret generational communication there was between the two os us, or if such a thing really exists: an ensemble of gestures or words or a certain tone of voice, a way of saying hello or thanks or of moving or crossing our legs when we sit down, that we share with others members of our litter." (observação: adoro "The National", a banda. Porque, além da música incrível, nossas idades estão meio emparelhadas. Sempre considerei os rapazes como sendo "do meu pessoal", rs. Por isso, fiquei feliz quando eles estouraram!)
Muito divertido. Cada capítulo é uma minibiografia focada nos infortúnios amorosos de trinta e sete célebres filósofos, entre eles Platão, São Tomás de Aquino, Nietzsche, Simone de Beauvoir. Gente que tomou muito toco, pé-na-bunda e chifre do ser amado. Quem não foi desprezado, suportou ofensas e desaforos. Sócrates foi um, casado com uma megera. Resignado, o sábio costumava dizer: "se você conseguir uma boa esposa, será feliz; se conseguir uma péssima, vai se tornar filósofo".

Músicas
Entre 1810 e 1820, o pintor espanhol Francisco de Goya criou oitenta e duas ilustrações, desenhos em preto-e-branco. A série, entitulada "Desastres de la Guerra', reproduzia os horrores das batalhas entre soldados espanhóis e o exército de Napoleão. Duzentos anos depois, Mark Lanegan se uniu ao instrumentista inglês Duke Garwood e compôs a canção que, coincidência ou não (taí uma boa pergunta para uma entrevista), traduz em palavras e melodia toda a dor das gravuras de Goya. Lanegan abaixa um tom de sua voz de trovão, elimina a aspereza e emite um débil lamento, incorporando com perfeição a angústia de um soldado ferido e assombrado pelos espectros de sua memória. Violão, harpa e clarinete embalam a desesperança do vocal. A letra, a exemplo dos trabalhos de Goya, é também uma obra de arte (clique nas imagens de Goya): 
"Good, have I done good?
Give my first and last medal
Observed in ritual behind the door
A heavy ivory white door
Where I've come off my hinges
Without wanting to
Wasn't nothing else to do
Saw officers shot from their saddles
Through driving snow and through black smoke
Eyes rolled back in their heads
Entire battalions snuffed like a spark
Beat like a heart
Drowned by an ocean
Don't tell me the ending of the play
Don't make me look
Look in the mirror
John Grant é um coitado. Um verdadeiro coitado. A ótima banda americana The Czars, da qual era vocalista e compositor, nunca alcançou os merecidos sucesso e reconhecimento. Durou dez anos e chegou ao fim em 2004. Desiludido, Grant rolou ladeira abaixo: álcool, drogas, o fim de um relacionamento. Proveniente de uma família protestante rígida, aos sete anos de idade percebeu que sentia atração por meninos. Foi ridicularizado na escola e cresceu tomado pelo sentimento de culpa por ser homossexual. Em 2010, motivado pela própria ruina financeira - a qual impedia até o tratamento odontológico de dentes em queda - John Grant voltou à ativa e lançou um disco maravilhoso em parceria com a banda Midlake. O álbum foi muito elogiado, Grant retomou turnês, saindo do vermelho. E em 2013, a voz grave mais límpida do indierock nos dá de presente essa canção com levada electro, que faz parte do disco de mesmo nome. Mesclada com os sintetizadores dos islandeses do GusGus, a voz cristalina de John Grant divaga: "pale green ghosts must take care/Release themselves into the air/Reminding me I must be aware". E sim, ele tem mesmo que estar alerta. O cantor atualmente administra o campo minado que é seu próprio organismo. Grant descobriu ser soro positivo, infectado por um ex-namorado. Viu, seu Morrissey? Isso sim é sofrimento. Não mimimi.

Husbands, Savages
Punk rock acelerado em que a guitarra por si só parece o motor de um carro a mil por hora. A vocalista, herdeira de Siouxsie e Nina Hagen, tem o sono abalado pela visão de um cara. O sujeito mexe com ela. "Will I see him again?", pergunta.


Shows
Vi só quatro, então dá para comentar todos:
The Cure, São Paulo
Setlist generoso em quantidade e qualidade. Devem ter sido umas trinta músicas. Impressionante: entre as bandas que integraram a Santíssima Trindade dos anos 80 (The Smiths e New Order), the Cure é aquela com maior número de hits radiofônicos. E não são poucos. Até para quem não tem o costume de acompanhar o mundinho musical, impossível boiar e se sentir de lado durante a apresentação. Mas fui embora um pouco desapontada. "Disintegration", minha favorita, não rolou.

Savages, Londres
Contei aqui. Terminado o show, o choque era tamanho que eu tive certeza absoluta de que essas quatro meninas são confeccionadas em outro material. Ninguém de carne e osso faz o que meus olhos viram e minhas orelhas escutaram.

Mark Lanegan, Union Chapel, Londres
Em 2009, vi Lanegan cantando pela primeira vez nessa linda igreja vitoriana. Parecia um gato desconfiado, nada à vontade diante dos olhares do público, com reflexos à flor da pele para escapar dali assim que a última palavra fosse cantada. O show, acústico, era conduzido por seu companheiro de palco, o despachado Greg Dulli. Lanegan se deixava levar, recolhido, sem contato visual, sem interagir com a plateia. Três anos depois, a voz ainda é a mesma - e também os cabelos. Mas a postura...quanta diferença. Ele continua a não sorrir. Mas emite segurança. Dá para captar no ar o seu prazer em mostrar aos pagantes um trabalho do qual ele agora se orgulha. Finalmente, aos quarenta e nove anos de idade, Mark Lanegan não hesita mais em reconhecer que é digno de muito valor. Fiquei feliz pelo Lanegão. Gostar de si, dos frutos do próprio trabalho, e ter autoconfiança são sinais de que uma aposentadoria não chegará tão cedo. Agora que ele não precisa mais de mim, rs, vou deixá-lo seguir em paz, deixando de seguí-lo sem paz. Acredite se quiser, mas em 2013 virei uma fã discreta. Stalkear cansa.

Daughter, Berlim
Comprei o ingresso atraída pela perspectiva de ouvir uma única canção. Eu me encantei com "Youth" assim que a escutei pela primeira vez. Era o pano de fundo de um vídeo de moda, com imagens de modelos sendo maquiadas no backstage de um desfile. Não fazia a mínima ideia de qual banda seria a música, que tem uma letra linda. E, felizmente, bastante peculiar. Afinal, não é a toda hora que alguém revela habilidade suficiente para embaralhar vocábulos bem usuais de forma a montar uma frase tão cheia de poesia e doce autoironia quanto "setting fire to our insides for fun". Então, foi só acrescentar a tudo isso a palavrinha "lyrics", dar um google, e pronto. Achei o Daughter. Só que ao vivo....o Daughter não funciona. Nem Youth, - de longe, mas de muito longe mesmo - a melhor canção do Daughter, honra a versão de estúdio. A bateria perde a força. A sincronia entre a bonita voz da cantora e a guitarra, que deveria açucarar as batidas do baterista, não é alcançada pelos músicos. Se você passou dos vinte, passe reto pelos shows do Daughter. E se você mede menos do que um metro e oitenta de altura, passe reto por qualquer show na Alemanha.


Exposições
David Bowie Is - Victoria & Albert Museum, Londres
Objetos pessoais, posters, figurinos sem fim de todas as fases da carreira (Ziggy Stardust era praticamente anoréxico!), vídeos e, como não poderia faltar, a música. Não é uma exposição convencional. Você circula pelas salas com fones de ouvido, segurando um sensor. Não é audioguia. Parando na frente por exemplo de uma foto, o dispositivo é sincronizado com a sua posição. A voz do cantor, colhida em entrevistas, explica quais o significado e importância daquela imagem. As canções tocam, personalizadas, cada vez que você se coloca diante de um monitor com videoclip. E há um, gigantesco, transmitindo um show! Bowie cantando a plenos pulmões, para uma platéia extasiada, a absurda Heroes. Arrepia a pele, os cabelos, a alma. Vi até gente cantando e dançando no meio das peças expostas. No fim de janeiro, o acervo inteiro será mostrado pelo MIS em São Paulo. Imperdível. Garantia de uma overdose de serotonina.
 Vermeer & Music: The Art of Love & Leisure, National Gallery, Londres
Johannes Vermeer (1632-1675) sempre será o pintor número dois da Holanda. Ou três, para quem prefere Mondrian. Não dá para competir com Van Gogh. Comparar então, seria até covardia. E injusto. Vermeer foi talentoso naquilo que pintou. Seu quadro mais famoso é a linda Moça com Brinco de Pérola, cuja história, romanceada, ganhou um livro e filme (com as feições de Scarlett Johansson). Artista de praticamente um tema só, o holandês retratava cenas domésticas cotidianas, com gente comum, não da nobreza palaciana. Tinha predileção por reproduzir mulheres em suas típicas tarefas. Costurando, lendo, preparando refeições. O encanto dessas obras está na postura e expressão das moças. O aconchego, o ambiente intimista e clareado pelo sol, o ar despretensioso e pensativo de jovens com olhos sonhadores e melancólicos provocam empatia  em quem observa o trabalho do holandês. Durante o século XVII, a música valorizava o passe de uma moça candidata ao casamento. Saber tocar um instrumento fazia parte do currículo para uma boa educação. Mas para uma moça e um pretendente apaixonados, a música ganhava um significado especial e muito maior. Meninas de família deviam manter a reputação, preservar a pureza. Impensável que uma garota fosse deixada a sós com um rapaz. Encontros, só na presença de pais ou empregadas, damas de companhia. Havia, porém, uma pequenina brecha, um jeitinho de contornar o protocolo. Era a música. Se um casal estivesse entretido, tocando viola, cravo ou cantando, sinal de que não estaria se tocando. A vigilância afrouxava. A exposição gloriosa montada na National Gallery enfoca justamente a sutileza, a química silenciosa e sensorial entre pessoas que se amam ou simplesmente se desejam. Quadros de Vermeer, como "The Music Lesson" (que postei acima), e de seus outros contemporâneos recriam o clima, a tensão sexual, a troca de olhares, a atração reprimida mas latente. Vermeer é o mestre que conseguiu dar forma e cores não apenas à distância física entre dois amantes, mas à sintonia invisível unindo seus corações.

Feliz finzinho de Ano Velho; feliz Ano Novo, do começo ao fim.
Beijo
Ana    

Monday, December 09, 2013

Quando a Arte vira Rock, Parte CLXXXIII



Testa di Ragazza, Luigi Conconi, 1852-1917
Rachel Zeffira, vocalista do Cat´s Eyes