Thursday, December 31, 2009

2009 - Parte 2 - Música (a Música)







Na primeira vez em que ouvi "Never Forget You" no rádio - rádio mesmo, o aparelhinho, não estação on line - eu cheguei a pensar que havia feito as pazes com Amy Winehouse. Que a temporada no Caribe, o recheio siliconado nos peitos e no beiço, sei lá, alguma coisa tinha abençoado a moça e desencadeado um surto criativo. Que toda discografia chata daquela mulher finalmente encontrava redenção em uma música diferente, iluminada, com um pé fincado no swing dos anos 60 e outro neste século, um equilíbrio original e fresco entre R&B e pop rock. Eu não ouvi o locutor dizer o nome da canção e da cantora, mas aquele vocal feminino anasalado tinha cheiro de Amy. Então fui pro Google. Digitei um pedacinho da letra. E Amy, que já estava no meu purgatório pessoal aguardando confirmação para subir ao paraíso (e se sentar à direita de poderoso Lanegan), despencou outra vez para o inferno ao qual condenei artistas diabólicos que torturam meus ouvidos.

Shingai Elizabeth Maria Shoniwa é filha de uma humilde zimbabuana que imigrou para a Inglaterra. Cresceu com os irmãos em um conjunto habitacional no sul de Londres e, embora pobres, foram acostumados a escutar e a gostar de música. A mãe de Shingai insistiu para que toda a prole aprendesse a tocar um instrumento, se empenhou para juntar um dinheirinho, comprar discos de jazz e levar a criançada a shows. Shingai fez jus ao próprio nome, que significa "perseverança": trabalhou como atriz, artista circense, graduou-se em Artes. Até que em 2003 se uniu ao guitarrista Dan Smith e ao baterista Jamie Morrison, para ser a baixista e vocalista de uma nova banda: Noisettes.

Eu vi Noisettes há dois anos e meio, em Paris. Confesso que não dei muita pelota. Na época, eles haviam acabado de lançar o primeiro disco, com faixas de rock de garagem em que Shingai eleva a voz gritando para acompanhar a guitarra. Ao vivo, a banda lembrava uma cópia menos vigorosa da banda californiana BellRays, de punk rock e soul. O que é péssimo, pois os americanos tocam mais rápido, alto, melhor e têm Lisa Kekaula como vocalista. Não dá para comparar, não tem como Shingai competir com Lisa. Seria como jogar Michael Phelps e você numa piscina e esperar pra ver quem chega primeiro do outro lado (Lisa seria Phelps, óbvio, não você, lesma).

Tiro o chapéu para bandas que reconhecem suas limitações, não desistem de ser uma banda, mas....tentam algo novo. Mudar o tipo de som é uma sábia decisão. E eu fico imensamente feliz por Noisettes ter resolvido ser menos rock e mais pop. "Never Forget You", canção que está no novo CD da banda, "Wild Young Hearts", é um sopro de leveza e alegria. Foi produzida e escrita pelo próprio Noisettes. "Never Forget You" é pura homenagem às Supremes, grupo de garotas negras que foi a menina-dos-olhos da lendária gravadora Motown, de Detroit, entre 1959 e 1977 (sua integrante mais famosa era Diana Ross). Dá uma comparada no vídeo de "Chain Gang", das Supremes, e no clipe de "Never Forget You" (Shingai, linda, namorando um Porsche no início e vestida de diva do soul ao final). "Never Forget You" é a canção pop perfeita, com melodia catchy e letra sapeca que remete à inocência dos anos 60, época em que nossas mães davam trabalho para nossos avós ("We were mischievious/And you were always wearing black/I was so serious/You know my boyfriend's mother nearly had a heart attack"). Não tem como não escutar e não abrir um mega sorriso.

Presente de Ano Novo: "Never Forget You" para baixar. Canção sixties que não existia cinquenta anos atrás, mas que felizmente existe hoje, último dia de 2009, e que ainda vai existir quando chegar a década de sessenta deste século. E por todos os outros que também virão.

Dedico para todo mundo que passou por aqui durante esse ano.

E para você, Vovó querida.

Nunca Vou Te Esquecer.

Saturday, December 26, 2009

2009 - Parte 1 - Música (discos)



"O Tempo Será Tua Lepra."
Nobody likes the records that I play é o título legal, de uma música muito mais legal, criada por um DJ de nome ainda mais legal. DJ Tocadisco. E para tudo ficar definitivamente mais legal, informo: ele não é brasileiro, não é portuga. Tocadisco é alemão. (!)
Enfim. Ninguém gosta dos meus discos. Meus "melhores discos de 2009" não são os melhores de nenhuma lista de respeito. Bom, pelo menos também não são os piores. Simplesmente não existem nas listas dos descolados. Pensando bem, modificando: nobody knows the records that I play. Então, apresento meus melhores discos desse ano, aí embaixo. Não são populares, não são hypados. Mas são meus.
"Lovetune for Vacuum", Soap&Skin
Quando eu tinha dezoito anos, um menino me magoou. Tentando me sentir melhor, eu escrevi uma poesia. Primeira e única da minha vida. Meiga, roguei uma praga em um dos versos: "O tempo será tua lepra". Entreguei a poesia para o presidente da Academia de Letras do Largo São Francisco, faculdade onde eu estudava. Ele resolveu publicar na revista literária. E óbvio que eu me arrependi depois, he. Embora a poesia não citasse nomes, fiquei apavorada que o garoto sacasse a minha maldição. Não adiantou: publicaram, o cara se ligou e eu quase morri de vergonha. O único jeito era esperar os meses passarem e o povo se esquecer. Quando estava quase tudo superado, um degenerado (não por acaso meu melhor amigo) resolveu, ele, escrever um poema inspirado em Augusto dos Anjos, que é tipo o Zé do Caixão dos poetas brasileiros do início do século passado. Poema no qual o demente liricamente descrevia atos de intimidade com um cadáver. Da genitora dele (que na época era vivinha da silva, saudável e mãe amorosa). Eu quase enfartei quando o sacana avisou: "Você também foi homenageada! Coloquei aquela sua frase da lepra como epígrafe do poema. Seu nome embaixo, lógico, pra você ficar com o crédito!". Crédito? E desde quando ser vista como coautora pervertida (me perguntavam se eu tinha ajudado a escrever "aquilo") do estupro do presunto da mãe alheia, condenando-a à hanseníase post mortem, me daria credibilidade no meio estudantil acadêmico-jurídico!?
Bom, lembrei dessa historinha quando descobri a Soap&Skin, banda de uma adolescente só. A austríaca Anja Franziska Plaschg, mocinha corada da foto acima que, com certeza, faria Robert Pattinson e todos aqueles vampiros mauricinhos de "Crepúsculo" borrarem as calças. Aos dezoito aninhos, Anja compôs "Lovetune for Vacuum", disco carregado com treze músicas. E que pesa treze toneladas. Foi lançado em abril, poucos dias depois de Anja completar dezenove anos na mesma data do aniversário do suicídio de Kurt Cobain. Anja é pianista clássica. Com total predileção pelo lado esquerdo do piano, onde ficam as oitavas mais graves. As melodias são uma mistura de piano soturno, às vezes mesclando violino, e eletrônico discreto. Sua voz é a mesma voz da cantora Nico, que acompanhava o Velvet Underground no final dos anos 60: timbre áspero, pronunciando palavras em um inglês fortemente impregnado de sotaque alemão.
E aí vem a pergunta que aparece na letra de "Sheila Take a Bow", dos Smiths: "How can someone so young sing words so sad?". Uma das faixas do álbum se chama "Marche Funèbre". A morte é tema frequente nas canções, mas as letras nunca são piegas. E a impressão é a de que Anja é mesmo um vampiro de 1800 anos de idade, não uma menina de 18. Em "Thanatos", ela quase sussurra: "Torn open tomb/I fell in your/Cold fission bomb/I fell in your war". No vídeo da canção, parece que Anja está sendo enterrada viva, com terra e chuva caindo sobre o seu rostinho.
Não há muitas informações em inglês na web sobre a Soap&Skin. Não consegui adivinhar se a menina realmente sofre, sofreu ou finge que sofre. Dizem que, durante os shows, às vezes ela se retira do palco, justificando que não consegue suportar o peso daquilo que canta. Não sei se tudo isso é golpe publicitário ou se tamanha amargura é sincera. Só sei que, ouvindo a letra de "Spiracle", canção cuja melodia é a mais "feliz" do álbum, quase em staccato, a gente torce desesperadamente para que tudo aquilo que ela canta seja tão mentira quanto o conteúdo do poema em que o Rafael dá uns pegas na mãe defunta: "When I was a child/I toyed with dirt and I fought/As a child, I killed the slugs I bored with a bough/In their spiracle/When I was a child, fears pushed me hard/In my head, In my neck, in my chest, in my waist, in my butt/I still beg, please help me/When I was a child/I threw with dung as I fought/As a child, I killed all thugs and I bored with a bough/In their spiracle/When I was a child, foes pushed me hard/In my In my neck, in my chest, in my waist, in my butt/I still beg, please help me".
Seja como for, não dá para negar que "Extinguish me" é uma obra de arte, em melodia e letra. Se aos dezoito, Anja escreveu mesmo versos como esses, o que ainda virá pela frente - se ela sobreviver?
Quanto à minha história da lepra, um esclarecimento: testemunhos recentes garantem que o menino que me magoou (atualmente perto de completar quarenta anos, he) não foi afetado por minhas duras palavras. Sua pele está OK, nariz, orelhas, tudo no lugar. Bem, quase tudo, vai.
O Tempo Foi Sua Calvície.
"Everything Goes Wrong", Vivian Girls
Três garotas do Brooklyn, NY: uma morena, uma loira, uma ruiva, todas de franjinha. Mistura de punk com shoegaze que deu muito certo. Porque elas tocam muito bem. Hoje em dia, qualquer banda nova que não tem o mínimo de domínio dos instrumentos vem com a desculpa: nosso som é assim, "confuso", "caótico" e "moderno", porque é shoegaze. Sei. É fácil se rotular shoegaze, o difícil é criar melodias que dêem sentido à uma maçaroca de sons, guitarra e baixo soando alto e com distorção. As meninas conseguem. E tocando rápido músicas curtas, igual ao punk. Mas com a delicadeza típica das (boas) bandas de shoegaze, como My Bloody Valentine. Engraçado é o vocal da banda. As três são vocalistas. O que não quer dizer que as três se alternem a cada música. As três cantam juntas, quase sempre, o que inclui a baterista. Sei lá o porquê. Talvez seja porque ninguém quis ser vocalista, então as três resolveram compartilhar o fardo. Ou o contrário, todas queriam cantar. Ou nenhuma se lembrou de resolver a questão jogando "dois ou um" ou "dedos". Ou nada disso. Seja como for, a "cara" da voz da banda é um corinho, uma fusão de três vozes. E esse detalhe deixa tudo ainda mais suave e lindo, é só ouvir "When I'm Gone" e "Before I Start to Cry" para perceber. A baterista Ali Koehler é minha nova heroína, he. Canta, soca os pratos e balança a cabeça para a frente e para trás, sem nunca deixar cair os óculos fundo-de-garrafa. Como, moça? Se basta eu espirrar, para que os meus voem longe?
"Broken", Soulsavers
Tá, tem Mark Lanegan no disco. Ele escreveu a maioria das letras. Mas as melodias foram compostas pelos ingleses Ian Glover e Rich Machin, oficialmente a dupla Soulsavers. E as melodias são maravilhosas! De nada valeriam boas letras se elas adornassem melodias medíocres (como acontece em 50% da MPB - porque nos outros 50% as letras também não prestam), não é? Então não me sinto jabazeira em, mais uma vez, hehe, levantar a bola do Markão. "Broken" é soul, com eletrônico, country, gospel e rock de guitarras. Aquele tipo de disco legal, em que gente boa de fora da banda dá pitacos e um reforcinho em cada faixa. Mike Patton, do Faith No More, canta junto do Lanegan em "Unbalanced Pieces". Richard Hawley, ex-Pulp, adiciona sua voz a "Shadows Fall", enquanto Jason Pierce, do Spiritualized, está em "Pharaohs Chariot" e Gibby Haynes, vocalista do Butthole Surfers, na faixa mais roqueira e esquizofrênica do álbum, "Death Bells". Tem uma cantora australiana para contrapor uma voz macia às trovoadas que saem da garganta do Lanegan: Rosa Agostino (nome tão australiano quanto o alemão Tocadisco), da banda de uma mulher só, Red Ghost (virou moda. Cat Power fez escola). Só que Rosa é meio pálida. Wendi Rose e Carmen Smart são as vocalistas negras que justificam o "soul" do Soulsavers. Meu momento preferido em "Broken" é o Lanegan encerrando "Shadows Fall". "When shadows fall from above/Stay close to me, my love". Ai, Jesus Cristo. Assim meu coração derrete. Como bem anunciou Sidney Magal naquela música de abertura de novela..."me chama que eu vou!".

Monday, December 14, 2009

Jabá, de novo

Movie n. 03. O perfil bad boy do rapazinho acima é textinho (texto, vai. Duas páginas!) meu.

Demorei mais tempo para escrever esse profile do que costumo demorar para fazer um recurso de apelação em tráfico de drogas com quadrilha e cinco réus!

Saturday, November 28, 2009

500 Days of Summer & Morrissey




O textinho que escrevi saiu na Revista Movie n. 02, de novembro. Embaixo a versão original, sem cortes:

Agosto passado, John Hughes faleceu. Nascido em Nova York, o diretor de “Gatinhas e Gatões” e “Clube dos Cinco”, roteirista de “A Garota de Rosa Shocking”, é parte da cultura popular de uma geração. Que quarentão ou balzaquiana não se lembra de “Curtindo a Vida Adoidado”? Segurando um microfone, o personagem Ferris Bueller, cercado por uma multidão dançante na avenida, dublou a voz de John Lennon em “Twist and Shout” e protagonizou uma das cenas mais inesquecíveis (e bacanas) dos filmes nos anos 80. Ferris se firmou como o grande momento da carreira de seu intérprete, o hoje senhor Sarah Jessica Parker (também conhecido por Matthew Broderick). E Hughes foi mestre. Foi feliz ao escrever, produzir ou dirigir comédias leves marcadas por um toque genial: a mão de John Hughes era hábil o suficiente para, com delicadeza e encanto, misturar em seus enredos as alegrias e aflições da adolescência com o apelo irresistível da música pop.
Mas John Hughes morreu mesmo? Há controvérsias. Meses depois de sua morte, chega aos cinemas a comédia americana “500 Days of Summer”, dirigida pelo jovem Marc Webb, roteirizada por Scott Neustadter e Michael H. Weber.
É fácil encontrar John Hughes dentro do filme. Quando Tom (Joseph Gordon-Levitt) desafina “Here Comes Your Man”, da banda Pixies, em um karaokê, você sabe que o cinema desse século já tem seu novo Ferris. Tom paga tamanho mico porque está apaixonado pela colega de escritório, Summer (a fofa Zooey Deschanel, vocalista da dupla She & Him). E o sentimento de Tom nasce por culpa do cupido mais melancólico e fracassado que um apaixonado sem esperanças poderia desejar: a música pop. É no elevador da firma que Summer escuta “There’s a Light That Never Goes Out”, canção dos Smiths escapando pelos fones nos ouvidos de Tom. Summer comenta que ama a banda. E Tom percebe que está perdido. Mas o que esperar de uma relação abençoada pela tristeza e pessimismo de Morrissey? O narrador do filme já avisa logo no início: “Essa é a história - garoto encontra garota. O garoto se apaixona. A garota, não.”
“500 Days of Summer” são os quinhentos dias – mostrados em ordem não cronológica - ao longo dos quais Summer esteve presente na vida do recém-formado Tom, que sonha ser arquiteto mas trabalha escrevendo frases para cartões comemorativos. O amor platônico, a conquista desajeitada. O primeiro beijo e a primeira transa – motivo para Tom sair dançando na rua, contangiando outros pedestres em uma coreografia hilária (outra vez, John Hughes dá as caras). Os momentos felizes da relação (que Summer não assume como namoro). E o pé-na-bunda. Que tem tudo para se consagrar como o pé-na-bunda mais cruel - e pop – da história do cinema: Summer diz que não está feliz, que as brigas do casal são constantes. Compara o relacionamento dos dois à relação destrutiva dos punks Sid Vicious e Nancy Spungen. Tom se ofende, argumentando que Sid havia esfaqueado Nancy – atitude que seria incapaz de tomar. Summer devolve: “EU sou Sid”.
Marc Webb foi capaz de contar uma história fictícia – e comum, sobre jovens fictícios – mas comuns, embalada por canções que foram e serão a trilha sonora de histórias reais – e comuns. Da sua, da minha. O diretor Marc Webb entendeu e assimilou a mágica de John Hughes. Morrissey estava mesmo certo: there’s a light that never goes out.

Friday, November 06, 2009

Revista Movie n. 02

A resenha de "500 Dias Com Ela" is mine. :)

Monday, November 02, 2009

Quando a Arte vira Rock, Parte CXLIV



Olga Boznanska, Self-Portait, e a cantora Marianne Faithfull

Tuesday, October 06, 2009

Mrs. Magoo

Acabei de mostrar para minha genitora a última página da Movie, revista de filmes e tecnologia que foi lançada este mês.

Minha mãe, mastigando um pedaço de pizza Sadia, depois de olhar a página por longos segundos: "Tá. E daí?"

E daí que eu estou lá, po! E na seção de DVDs. Tem textinho meu. :)

Wednesday, September 23, 2009

Berlim, Mark

O alemãozinho gente-fina me avisou que a barra estava limpa: "vai agora, não tem ninguém vendo!". Rezando para não ser vista, eu passei pela cortina preta, subi a escadinha caracol na velocidade de um raio. Após o último degrau, o início de um corredor estreito: uma fila de portas na parede esquerda e outra na parede direita. Lá na frente, direita, luz saía de uma sala aberta. Talvez fosse aquela. Corri, livro na mão. Brequei as botas no carpete quando cheguei na entrada. Tinha gente dentro. Em um canto, pessoas sentadas em semicírculo olharam para mim, expressão de dúvida: "quem é você?". No canto oposto, de pé e ao lado da pizza sobre a mesa, ele me viu. "Ah...é você.", disse. E Mark Lanegan sorriu.

Meu, tanto lugar bacana em Berlim e Soulsavers fechou de fazer show logo no FritzClub im Postbahnhof. Não que o clube seja ruim. Estilo galpão, jardinzinho pra tomar cerveja, bar com pista para DJ. Legal. Mas eu desconfiei que havia ido parar na PQP não só porque o Fritz fica quase sob a linha do trem, solitário em um trecho de avenida no qual no pasa nada. Há outra razão. Vizinho ao clube, a perder de vista sentido norte, sentido sul, o Muro. Metros e metros de concreto ainda intactos. Uma massa de cimento e tijolos, que um dia cortou uma cidade ao meio, colorida por grafites. Pouco se vê dos restos do Muro no Centro turístico e residencial de Berlim. Símbolo da vergonha, foi quase todo destruído. Mas nas imediações do FritzClub ele foi poupado. O local é tão deserto que, acho, na data da Queda não havia uma alma presente para dar umas boas marretadas naquele troço.

No corredorzinho, Mark Lanegan encostou na parede, flexionou uma das pernas e me encarou. Levantou a mãozona tatuada e, antes mesmo que eu perguntasse, foi abrindo os dedos à medida em que contava: "Londres....São Paulo....Lisboa....eu me lembro de você em todos esses lugares. E agora aqui. E você sempre me dá livros!". Bom, faltou Bruxelas (em Bruxelas ele não me viu. Só porque eu me manquei e o deixei em paz, hehe). Fiquei com vergonha, quase soltei um..."ah, mas hoje eu apenas passava por essa rua tão...tão...ehh...interessante, fazendo um emocionante city tour embaixo do viaduto sujo e mijado da linha do trem, quando vi três pessoas aí fora no portão, concluí que o galpão bombava e resolvi entrar. Estava procurando o banheiro quando - ah, que mundo pequeno - te vi aí entretido com essa mesa de comida gordurosa!". Ao invés da piadinha, minha voz mais cor-de-rosa, florida e dengosa: "Noooossa....você se lembra mesmo de mim, hein!!".

Comentei sobre o show de São Paulo, que foi tão divertido, gente berrando enlouquecida. "São Paulo! Eu ADOREI aquele lugar!". Lançou um olhar para meu braço esquerdo, sorriu. Uau. Senti sinceridade, ele não estava elogiando Sampa só por educação. Putz, isso que dá beber pouco; se eu não tivesse tomado apenas uma Heineken, teria saído isso: "Que coincidência, meu Deus, eu também ADORO São Paulo. Por acaso, moro lá! A pizza é maravilhosa! Moremos os dois lá, então! A cidade é cinza, perfeita para inspirar suas músicas depressivas! Visto de permanência? Tá bem, vai, eu não me importo de casar com você, tudo em prol da Música!".

E por que não morar em São Paulo? Nada impossível. Chrissie Hynde, do Pretenders, teve (ou tem) um apê no Centro da cidade. Nick Cave foi meu vizinho, morou na Pompéia e vivia nos botecos. Aliás, vi o Cave em Londres, assinando autógrafos em uma livraria. Bronzeado, testa duas vezes maior do que o resto do rosto. Jeitão simpático e atencioso. Eu quase entrei na fila de fãs, mas então teria que comprar o novo livro dele. Que conta a história de um coelho psicótico e tarado. Meu amor ao dinheiro bem gasto falou mais alto.

- "Mark...".
- "Humm..?"
- "Você tá fazendo um disco novo?"
Ele fez uma cara engraçada, tipo..."ai, se eu ganhasse um dólar cada vez que me perguntam isso..."
- "Estou. Entre uma viagem e outra das turnês eu ando compondo umas músicas..."
- "Oba! Isso é bom, porque você viaja bastante!"
- "Eu, é!? Pois é. E você também!!"
E eu nunca vi Mark Lanegan rindo tanto...

Ah, foi tão legal! No fim, Mark Lanegan ganhou mais um livro assinado por mim (que devo ser a única fã do mundo que deu mais autógrafos para o seu ídolo, ao invés de ter pedido - 4 dados contra 1 recebido no braço). E - que bonitinho! - ficou vermelho na hora da despedida. Igualzinho ao Mathias ficava, meu coleguinha no pré-primário, em 1981.

Monday, September 14, 2009

Jello Biafra em Londres




“Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”. Em sua obra principal, “A Divina Comédia”, o poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321) alertou os infelizes prestes a atravessar os portões do Inferno: “Deixem toda esperança, vocês que entram”. Londres, noite de 8 de setembro. As portas vai-e-vem do 02 Islington Academy foram abertas para me dar passagem. Uma massa de ar quente grudou em mim. Porão lotado, almas suadas se acotovelando na disputa por uma visão mínima do palco. Um urro abismal quase arrebentou meus tímpanos: o vocalista da banda de abertura cantava. Não entendi uma só palavra gritada pelo moço exibindo corte de cabelo moicano e impressionantemente idêntico à cantora Cássia Eller. Lembrei então da advertência dantesca. O que fazer? Voltar? O porteiro olhou pra mim, esperando. Já que eu estava no inferno, melhor abraçar logo o capeta, vai. Tá aqui meu ingresso, moço.
Você é mulher no meio de uma platéia punk 98% masculina. Os 2% restantes são compostos por damas de aparência tão frágil quanto a de gladiadoras. Boa notícia: um banheiro sem filas, vazio e limpo do início ao fim do show, só pra você. Péssima notícia: comece a se preocupar com sua integridade física, porque, com muita sorte, você será apenas estuprada. O mezanino foi a salvação: lá em cima, isolados do gentio, somente punks de boutique que pelo menos pareciam saber ler e escrever. E que tinham tomado no mínimo um banho nas últimas duas semanas. Arranjei um lugar bom pra ver o show.
E o show era Jello Biafra com sua recente banda, The Guantanamo School of Medicine. Jello Biafra é Eric Reed Boucher, 51 anos, ex-vocalista da banda punk californiana Dead Kennedys, que esteve em atividade durante a década de 80. Então o clima era de saudosismo: olhando para a concentração de homens lá embaixo, o número de cabeças calvas e grisalhas se destacava entre a minoria de cabelo verde, espetado por claras de ovos e sabão.
Uma hora esperando, a banda entrou. Só tios. Jello veio depois, pulando, vestindo jaleco branco sobre a camiseta preta e calça jeans. Todo sujo de sangue falso, concentrado nas luvas cirúrgicas que cobriam as mãos. A velharada entrou em êxtase, formou-se a tradicional roda de pogo (a dança empurra-empurra punk, dessa vez na hilária versão geriátrica). Santo mezanino.
Entre uma música e outra, Jello discursava contra as atrocidades do governo Bush. No meio do show, tirou o avental e as luvas, mostrando a camiseta preta com mensagem: I support Iraq veterans against the war. Dançando, Jello parecia um mímico, contorcendo o rosto com caretas, gesticulando, simulando estar sendo torturado.
O set list do show? Sei lá! Fui ao show só para ver o Jello. O álbum de estreia do Guantanamo School vai ser lançado em outubro. Do Dead Kennedys, conheço apenas “California Über Alles”. Foi durante essa música que Jello voou sobre fãs. Foi bizarro: um tiozinho meio careca, dono de uma senhora pança, dando um mosh pra cima da roda de pogo formada por outros tios pelancudos e barrigudos. O roadie não sabia se ria ou se salvava o patrão das mãos enrugadas da galera. Fez as duas coisas.
Intervalo para o bis. No corredor lateral ao palco, uma mulher de cento e trinta anos de idade, vestindo minissaia e blusinha regata, estava desmaiada e tentava ser reanimada pelo staff. Ela bateu a cabeça enquanto balançava os dreadlocks compridos, que batiam na altura da cintura. Mas foi só Jello retornar ao palco para a Medusa punk ressuscitar e voltar a chacoalhar os minhocões. Temperatura explodindo os termômetros, Jello se livrou da camiseta, orgulhoso em revelar a gravidez de seis meses. Incansável, cantou mais três ou quatro músicas (que me pareceram todas iguais...).
Jello e a banda voltaram para o segundo bis, a platéia delirou. Mas eu já estava satisfeita. E faminta. Dei uma passadinha no meu banheiro particular, ainda perfumado de desinfetante e abastecido de papel. Desviei da fila que se estendia diante da porta do banheiro dos desafortunados do sexo oposto, pisei em vários pés até alcançar a porta de saída. E fui embora do inferno, catando as esperanças deixadas na chapelaria. Foi divertido. A banda é competente, acho que o disco novo vai ser aprovado pelos fãs do Dead Kennedys. E Jello é figuraça. Cinquentão plugado na tomada, punk sempre inconformado, esperançoso para que sua música seja entendida como uma denúncia sarcástica contra a hipocrisia da sociedade e política americanas. Bacana. Tiozinho, mas ainda querendo mudar o mundo. Naquela noite, voltei ao mundo dos vivos sorrindo. Contente por ter descoberto que sim, de boas intenções, o inferno está cheio.

Sunday, August 30, 2009

Nick & Norah's Infinite Playlist




O seu sangue dispara nas veias com a notícia-surpresa: a Banda de Rock da Sua Vida vai tocar ao vivo. Esta noite. Onde, você não sabe. O show é secreto. Você tem poucas horas para vasculhar clubinhos, casas noturnas, inferninhos da cidade e estar no lugar certo, na hora certa. Seu carro não ajuda, é uma lata-velha. Uma bêbada desconhecida ronca desmaiada no banco traseiro. Flagrar sua ex, linda, beijando um playboy babaca: mais uma razão para você procurar desesperadamente o show da Banda de Rock da Sua Vida. E você tem companhia na caçada à Banda de Rock da Sua Vida: uma garota que ama música. Como você. Melhor: uma garota que ama as músicas Que Você Ama. Uma garota legal que recolheu do lixo os presentes que sua ex-namorada jogou na sujeira. Os discos em que você gravou as Músicas da Sua Vida. E entregou para aquela vadia, junto com seu coração. Mas não são os olhos da garota legal que você está louco para ver brilhando, quando a Banda de Rock da Sua Vida subir no palco...

Baseado no livro de Rachel Cohn e David Levithan, “Nick and Norah’s Infinite Playlist” (“Nick e Norah, Uma Noite de Amor e Música”, lançado no Brasil em DVD e Blu-ray) é o filme de uma noite em Nova York. Uma noite na Nova York do pós pós-punk, agora povoada e comandada pelos filhos dos fãs de Ramones, Velvet Underground, Blondie e Television. Contando a história do baixista Nick (Michael Cera, o pai adolescente de “Juno”) e de Norah (Kat Dennings), herdeira riquinha de um produtor musical, o jovem diretor Peter Sollet apresenta a nova trilha sonora que embala a madrugada da metrópole elétrica dos táxis amarelos. Ao som de Vampire Weekend, The National, Raveonettes, We Are Scientists, Shout Out Louds, Nick e Norah vagam pelos bastidores da cena roqueira mais invejada do planeta. Em busca não apenas do show de música ideal, mas daquela sensação sublime de pertencer a alguém que vai apertar forte sua mão, tão logo as caixas de som te surpreendam com os primeiros acordes da melhor canção da Banda de Rock da Sua Vida.

Friday, August 21, 2009

The Pretender





O poeta é um fingidor./Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente ("Autopsicografia", Fernando Pessoa).

Foram duas as obsessões de Viktor Shklovsky. A Rússia. E Elsa Triolet. Em 1922 a vida em Berlim não era uma opção para o escritor. Cumpria uma imposição. Os liberais contrários à truculência bolchevique foram forçados a deixar o país. Os revolucionários derrubaram a monarquia e sentenciaram o czar à morte, mas negavam ao povo russo o direito a uma Constituição. Shklovsky e outros compatriotas refugiados viviam falsa liberdade na Alemanha. Para Viktor, a tristeza dos poetas e artistas exilados se comparava à melancolia do zoológico de Berlim: animais presos, impedidos de voltar para casa. O escritor era um homem acostumado ao provincialismo de sua pátria, um admirador da simplicidade campestre que um contemporâneo russo - o pintor Marc Chagall - reproduzia em suas telas. Shklovsky sentia-se repudiado pela burguesa e sofisticada Europa. A elegância e frieza européias eram a exata personificação de Elsa. E Elsa era a rejeição.

Elsa Kagan se casou com o francês André Triolet depois da revolução. Moraram no Tahiti até a relação se deteriorar. Triolet retornou para Paris. Berlim foi o destino da linda Elsa, escritora como Viktor.
Em Berlim, Viktor Shklovsky amou a Rússia e Elsa Triolet. Mas sua musa se mostrou tão inacessível quanto sua pátria. Ao escritor não era permitido estar em seu lar, da mesma forma que não era autorizado a demonstrar o seu amor. Viktor e Elsa se comunicavam por cartas. Ela vetou suas visitas, negou telefonemas. Ele escreveu uma carta. “I seem to be sinking, but even there, underwater, where the phone doesn’t ring and rumors don’t reach, where it’s impossible to meet you – I’ll go on loving you. (…) in Russia, I was strong, here I have begun to weep”. A resposta dela foi uma ordem. “Don’t write to me about love. I do not love you and I will not love you. Be light-hearted or else you’ll fail at love”.

“Zoo – or Letters Not About Love” é o livro no qual Shklovsky reuniu suas cartas enviadas para Elsa. E as poucas que recebeu dela. Na obra, o nome de Elsa é modificado. Em cada carta de Viktor, um esforço para burlar a proibição de Alya (Elsa)....e escrever sobre seu amor. Metáforas foram escolhidas como disfarces para declarações apaixonadas e desabafos frustrados do poeta fingidor. Descrições sobre chuvas e enchentes na cidade ocultam o desejo de confessar seu choro convulsivo. A sua desesperança é implicitamente comparada a um carro quebrado. A menção de uma ilha distante insinua o amor inatingível.

Na Alemanha da década de 20, Viktor Shklovsky não teve permissão para falar de amor. Solitário em Berlim, o russo talvez necessitasse de consolo. E conselhos também. De uma voz que pudesse pronunciar palavras semelhantes às quais havia sido obrigado a calar. Que traduzisse em poesia (e melodia) o desespero de um sentimento abafado. E que delicadamente o lembrasse de que o desamor pode ser digno de uma compaixão menos trágica - e mais patética. Viktor precisava das letras e canções Matt Berninger.
Matt Berninger é o frontman do The National, banda novaiorquina que se formou em 1999. Guitarras, piano, violino e os vocais barítono de Berninger se unem em músicas cuidadosamente criadas para serem ouvidas com o coração. Berninger é mestre em converter desilusão, saudade, melodrama e obsessão em letras breves e marcantes, homenagens para quem ama em silêncio. Matt escreve canções para aqueles que convivem com fantasmas na memória, que encenam diálogos imaginários com quem passou, marcou, foi embora – e nunca vai responder. Versos de “Fashion Coat” por coincidência revelam a angústia do expatritado Shklovsky: “I die fast in this city/outside I die slow/I’m not stupid I swear/I read the foreign news to understand my nation (…) everywhere I am is just another thing without you in it”. Quando, em uma carta, Viktor inventou um conto de fadas para driblar a proibição de Elsa (“A hermit once fell in love with a mouse – a strange love, but in Berlin, loneliness will make a person do anything – and he turned her into a girl”), anos e anos depois, na linda “Patterns of Fairytales”, Matt escancarou: “I’m turning on the stereo/And I’m turning into fairytales/Yes, I’m turning on the stereo/And I’m turning into you”. E na vigésima terceira carta, o escritor não aguentou mais: “I am tired of writing not about love. Set my words free, so that they can come to you like dogs to their master and curl up at your feet”. Se de alguma forma Shklovsky pudesse ouvir a advertência de Berninger em “Val Jester” (“Take your time when you tell her how she lives in your blood”), quem sabe seria poupado da explosão impaciente e impiedosa de Elsa Triolet: “You are violating our pact. You are writing me two letters a day. A lot of letters have accumulated. I have filled the drawer of my writing desk, my pockets and my purse are overflowing. On various pretexts, you keep writing about the same thing. Quit writing about HOW, HOW, HOW much you love me, because at the third ‘how much’, I start thinking about something else”. Um salto no tempo e Matt complementaria os temores de Viktor: “You clean yourself to meet the man who isn’t me/You’re putting on a shirt/A shirt I’ll never see/The letter’s in your coat but no one’s in your head/Cause you’re too smart to remember/You’re too smart/Lucky you” (“Lucky You”).

Em 1923, Viktor Shklovsky escreveu uma última carta em Berlim. Que não foi endereçada para Alya, e sim para o comitê central executivo russo. “Bitter is the anguish of being in Berlin, as bitter as carbide dust. Don’t be surprised that this letter follows some letters written to a woman. I’m not getting a love affair involved in this matter. The woman I was writing never existed. Perhaps there was another, a good comrade and friend, with whom I was unable to come to terms. Alya is a realization of a metaphor. I invented a woman and love in order to make a book about misunderstanding, about alien people, about an alien land. I want to go back to Russia”.

Viktor Shklovsky aprendeu e acostumou-se a fingir. Fingindo, teve seu amor recompensado. Elsa Triolet casou-se de novo. Mas Viktor Shklovsky morreu em Moscou, em 1984. Sessenta e um anos após ser novamente acolhido pela Rússia.

Sunday, July 26, 2009

Quando a Arte vira Rock, Parte CXLIII




Ahahhaha!
Isso não é idéia minha! Tirado da comunidade do Facebook, "The Easter Island statues are actually sculptures of Mark Lanegan".
O melhor é o comentário de um cara:
"There are like, 200 statues.I think Mark Lanegan is their god".
Bom, que ele é um deus, isso eu já sabia! :)

Friday, July 17, 2009

Quando a Arte vira Rock, Parte CXLII



"Portrait of a Young Man" (1955), de LS Lowry, e Craig Nicholls, vocalista do The Vines.
(Não gosto de Vines. Mas Lowry é um dos meus preferidos. Então foi por ele.)

Thursday, July 02, 2009

I Got You On My Skin

Ele abriu um sorrisão quando eu estiquei o braço, manga arregaçada.

Assinou rindo. E a caneta só parou quando bateu na pulseira do relógio.

Mark Lanegannnnnnn.

Na pele.

Friday, June 26, 2009

A Visita do Rei e o Retorno da Rainha






A pessoa vai lá no campo de busca do Google, digita um nome. São listados os sites nos quais o nome aparece.

É assim que rola a grande maioria das passagens neste bloguinho: gente pesquisando sobre a vida de alguém descobre que esse alguém foi citado aqui. Então entra.

Só que às vezes acontece algo muito divertido: o nome pesquisado é o próprio nome do pesquisador! Ou um nome relacionado a ele.

Foi assim que o Eliardo França me achou. E se achou aqui. O Eliardo é o autor do livro infantil mais poético e tocante que já li: "O Rei de Quase Tudo". Escreveu um comentário simpático e ainda agradeceu a dica do Depeche Mode! Fiquei muito feliz!

Meses atrás, o fofo Guy Burwell já havia me avisado de que o Drugstore, banda da brasileira Isabel Monteiro, cogitava um show em Londres depois de anos e anos. A notícia foi dada na página da banda no Facebook.

Agora a informação foi confirmada. Pela própria Isabel. E aqui! Eu escrevi sobre a Isabel em setembro de 2006. Ela leu meu textinho e deu as boas novas:

"Miss Monteiro here saying hello! Achei o seu blog ao acaso, quando googled drugstore. Drugstore are still alive - we needed a looooooooong break. I'm working on material for another album and we're playing London in sept. Comovida com comentarios bonitos. saudades. isabel monteiro - london june 2009".

Comovida estou eu, pois adoro ela! Quem vai comigo para Londres em setembro?

Bom, e já que é assim, só para garantir:

Mark Lanegan, as you know, I love you!!

Tuesday, June 23, 2009

Site da MTV

O textinho sobre Caravaggio e punk foi publicado no blog Bis, no site da MTV!!

Fiquei muito feliz!!

(Ah, e nesse aqui eu cacei talentos, hehe!)

Sunday, May 31, 2009

Friday, May 22, 2009

Quando a Arte vira Rock, Parte CXLI






Francisco Goya, Self-Portrait, e Gene Simmons, vocalista e baixista do Kiss.

Tuesday, May 05, 2009

Quem avisa...

....amiga é!

Seguinte: às sete e meia da noite de hoje, terça-feira, começaram as vendas dos ingressos para o show do Mark Lanegan e Greg Dulli no dia 01 de julho, no Bourbon Street. Minutos depois, liguei lá no BB e comprei o meu. A senhora que me atendeu - muito simpática - disse que naquela meia hora só ela já havia atendido umas cinco pessoas. O lugar é pequeno. A pista custa oitenta reais, lugar em mesa custa cento e vinte e cinco.

As vendas recomeçam amanhã, quarta-feira, às nove da manhã. Por telefone ou no escritório do Bourbon.

Para quem se interessar, é bom correr. Tá aqui o email que recebi:

Olá!Informamos que as reservas para o show "Uma noite com Greg Dulli e Mark Lanegan", que acontecerá no dia 01/07, já podem ser feitas.As reservas serão mediante antecipação do couvert artístico.Podem ser feitas pessoalmente no Bourbon Street, ou por telefone através de nosso Call Center.O horário de atendimento do Call Center é de 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h00 e Sábado e Domingo das 12h00 às 18h00.O valor do couvert artístico será de R$80,00 por pessoa em pé na pista, ou R$125,00 por pessoa em mesa.Para mais informações e reservas, entre em contato conosco pelo telefone 11-5095-6100.Obrigado,Call Center

***BOURBON STREET MUSIC CLUB***Rua dos Chanés, 127 - São PauloTel: 5095-6100 - Fax: 5095-6110Site: www.bourbonstreet.com.br

Thursday, April 30, 2009

Thursday, April 23, 2009

Quando a Arte vira Rock, Parte CXL



"Neptuno" (detalhe), de Bartolomeo Ammannati, e Tim Wheeler, vocalista e guitarrista do Ash.
Para a Anna.
(Daniel, já reparou que o Tim Wheeler é a sua cara, hehe?)

Sunday, April 19, 2009

Rob Fleming X Steven Stelfox




Literatura indie. Quem é o personagem herói de dez entre dez fãs de Radiohead, PJ Harvey ou Teenage Fanclub? O nerd Rob Fleming, criado pelo britânico Nick Hornby para protagonizar o livro "High Fidelity", de 1995. Londrino, na faixa dos trinta anos, dono de uma modesta lojinha de discos, Rob era o camarada "gente como a gente" que ganhava pouco, sofria com a indiferença da ex-namorada, listava as melhores canções, álbuns e filmes de sua existência. E vivia para a Música, sua paixão.

E em 2008, eis que finalmente aparece o vilão! Invenção do escocês John Niven, o autor do hilário livro "Kill Your Friends". Steven Stelfox tem vinte e sete anos na Londres de 1997. Tony Blair no comando, Spice Girls no auge, morte da princesa Diana, "OK Computer" assombrando o mundo e o Britpop ainda em plena forma. Da mesma maneira que Rob Fleming, Stelfox ganha a vida graças ao comércio de Música. Só que as semelhanças começam e terminam aí. Stelfox lucra rios de dinheiro, que gasta em baladas milionárias, cocaína e mulheres. Despreza todo e qualquer ser humano, é dissimulado, sarcástico, manipulador. Assassino. E deixa bem claro: Música tem uma única função. Vender e render. "I don't care which genre something comes from - rock, trance, hip hop, Bulgarian fucking heavy metal - as long as it's profitable".

Na história de John Niven, o espertalhão Stelfox é executivo de uma gravadora fictícia, poucos anos antes da revolução on line (quando o Napster - programa então ilegal de compartilhamento de música pela web - decretou o começo do fim da hegemonia da indústria fonográfica). Steven é um A&R: Artiste & Repertoire. Ou seja, o sujeito encarregado de encontrar, desenvolver novos talentos e fechar contratos. Stelfox odeia o trabalho. Mas finge que adora. Mente para clientes, para os chefes e colegas, para os músicos que adula. E a graça do livro se sustenta justamente na ironia sem papas na língua do psicótico personagem: misturando artistas e bandas de verdade com gente inventada, sobra para todo mundo. Stelfox detona os peixes grandes do mainstream: "Madonna, Bono, the Spice Girls, Noel Gallagher, Kylie...do you really think any of that lot are talented? Don't make me fucking laugh. What they are is ambitious. This is where the big money is. Fuck talent. Forget Rock and Roll, if he'd just turned the other way out of the schoolyard Bono could have been a very successful CEO of a huge armaments manufacturer". Se leu o livro, Geri Halliwell, Spice Girl nos anos 90, deve ter adorado esse trecho: "In return for her fifteen minutes I guarantee you that Geri Halliwell would have risen at the crack of dawn every morning for a year and swum naked through a river of shark-infested, HIV-positive semen - cutting the throats of children, OAPs and cancer patients and throwing them behind her as she went - just to be allowed to do a sixty-second regional radio interview".
E se os grandes são espezinhados, Stelfox destrói de vez as pretensões de bandas alternativas, que ele detesta contratar: "The indie kids figure that (...), just as they were influenced by someone - The Velvet Underground, Jonathan Richman, the Stooges, whoever - then, in the future, young bands will be influenced by them. Maybe so. Maybe a few thousand malnourished cockless freaks scattered around the globe will give a shit. So what? Real people don't care, do they? Real people put stone cladding and UPVC double-glazing on their council houses, they buy four albums a year and they want to be able to hear all the words. And there are fucking billions of them". Entendeu, Rob Fleming?
Stelfox mete o pau não somente nas pessoas, mas também nos eventos relacionados a música. Premiações televisionadas, como o Brit Awards? Um tédio, mas grande oportunidade para conseguir droga na banheiro. Festivais de rock? Quando perguntado por uma banda iniciante sobre como seria a "vibe" do Glastonbury, Steve mente: "Oh, Glastonbury? It's just the most incredible...atmosphere". E depois ironiza para o leitor: "If you reckon that the atmosphere in medieval England - plague, filth, disease and billions of mud-spattered tolers everywhere - would qualify as incredible, then Glastonbury is indeed incredible". E é no backstage de um show que Stelfox cruza com Deborah Harry: "Debbie Harry from Blondie walks by, dressed head to foot in crimson - topped off with a bunch of red roses for a hat. She looks shocking, like an old hooker who's fallen on hard times and gone crazy". Fino e educado.
Olha, não tenho muito o que dizer sobre o livro. Por um simples motivo: não dá, só lendo. São 324 páginas. Em todas, existe um comentário ultra-ácido. Ou uma maldade, uma tirada de sarro genial. Palavrões aos montes. Pó entrando no nariz de alguém. Ou sexo. Algumas vezes, tudo isso junto (quem será o diretor corajoso que vai tentar passar a história para as telas?). É impossível parar de ler (mesmo sendo escrito em um inglês dos infernos, repleto de gírias e expressões londrinas que, não adianta, você não vai entender cem por cento. Não precisa. Tem ótimas sacadas a rodo para garantir diversão por horas). "Kill Your Friends" foi escolhido um dos melhores livros do ano passado pela revista britânica Word. Na contracapa do livro, James Dean Bradfield, vocalista e guitarrista da banda indie Manic Street Preachers, mostra que levou a sátira numa boa e "elogia" o Rob Fleming do Mal: "One of the evilest, most vicious, despicable characters ever. I couldn't put it down". Será que Joe Strummer faria o mesmo? No meio do livro, um policial se admira ao ver uma foto no escritório de Stelfox: o executivo abraçado ao vocalista do Clash. E pergunta: "Como ele é?". Stelfox responde para o tira: "Joe? He's a sweetheart." E para o leitor: "A washed-up cunt".
John Niven fala com conhecimento de causa: Steve Stelfox é baseado em tipos inescrupulosos que Niven conheceu quando trabalhava no departamento de marketing da finada London Records. Em artigo publicado no Times On Line, ele conta ter aprendido que gravadoras não gostam de música. Que, em reuniões de executivos da indústria da música, artistas são apelidados de "clowns", "losers". Que discos são chamados de "piece of shit". E que não se pode prever se uma banda vai ou não ser sucesso (segundo Niven, um respeitável executivo atirou pela janela do quarto andar o primeiro CD do White Stripes, sentenciando que ninguém compraria tamanha droga. O próprio Niven não botou fé no estouro do Coldplay, banda que, na opinião dele, era mais uma cópia de Radiohead).
Fleming ou Stelfox. Um, bom moço, uma enciclopédia de sapiência musical, o amigo gente boa que todo indie quer ter. O outro, mau caráter, conhecedor e admirador dos podres da indústria fonográfica, o sujeito politicamente incorreto que ridiculariza o mundinho indie e o mundão mainstream. Fleming, simpático, mas sonhador. Stelfox, safado, mas lúcido.
Leia os livros e escolha seu herói - ou anti-herói - preferido.
Eu fecho com o destemido, divertido e desbocado Steven Stelfox.

Friday, April 10, 2009

Mark Lanegan em São Paulo!!

AHHHHHHH, ele vem com o Dulli!!!! Valeu a pena mandar mensagem implorando, toda semana, hehehe!
No dia 21 desse mês sai a nova música dele com as Breeders, "The Last Time". E ele também tá fazendo música nova com o Slash (é, aquele). E preparando disco solo! Produtivo, o moço.


1 jul 2009
20:00
Bourbon Street
Sao Paolo BR
4 jul 2009
20:00
Teatro Oriente
Santiago CL
7 jul 2009
20:00
La Trastienda
Buenos Aires AR
11 jul 2009
20:00
Cactus Festival
Bruges BE
12 jul 2009
20:00
Paradiso
Amsterdam NL
13 jul 2009
20:00
Doornroosje
Nijmegen NL
15 jul 2009
20:00
Savoy Theatre
Düsseldorf DE
16 jul 2009
20:00
Stage Club
Hamburg DE
17 jul 2009
20:00
Vega
Copenhagen DK
19 jul 2009
20:00
Royal Festival Hall
London UK
20 jul 2009
20:00
Komedia
Brighton UK
23 jul 2009
20:00
York Theater
Sydney AU
24 jul 2009
20:00
Athenaeum
Melbourne AU
26 jul 2009
20:00
Splendour in the Grass
Byron Bay AU

Tuesday, April 07, 2009

Caravaggio, o pintor punk rocker




Itália, início do século XVII. Foragido da justiça e na mira de seus inimigos pessoais, nobres com sede de vingança. Procurado por homens especialmente designados pelo Papa com uma única missão: caçá-lo nas ruas imundas de Roma. Todas as noites, o sono agitado de Michelangelo Merisi - conhecido por Caravaggio – era vigiado. Por uma faca. O pintor, nascido em 1571 na cidade de Milão, não ousava adormecer desarmado.
Nova Iorque, 1978. No quarto número 100 do Hotel Chelsea, dividindo a mesma cama com a namorada Nancy Spungen, Sid Vicious – baixista do Sex Pistols – dormia rodeado por seringas de heroína. Um hábito. Um vício.
Caravaggio foi um arruaceiro. Rebelde, temperamental, impaciente, beberrão autodestrutivo. Sua presença em tavernas, bordéis, becos e feiras era sinônimo de confusão, de duelos, derramamento de sangue. Sua vida durou apenas trinta e nove anos. Trinta e nove anos de problemas com a lei: Caravaggio foi processado por agredir um garçom, por ofender e assediar mulheres. Por atirar pedras na polícia e portar espada pelas ruas. Foi preso diversas vezes. Feriu um carcereiro e escapou de uma fortaleza, prisão de segurança máxima. E matou um homem em Roma, por causa de aposta firmada durante um jogo de tênis.
Mas o boêmio e competitivo pintor era movido não somente por álcool e sangue fervendo nas veias. Havia um ideal. Caravaggio desejava provar que a Pintura poderia ser acessível, popular, incômoda, provocativa, instigante....e continuar lucrativa. E ainda ser reconhecida e respeitada como Arte.
Como Caravaggio, Sid Vicious foi um desordeiro. Também rebelde, temperamental. Viciado autodestrutivo, acumulou um número considerável de ocorrências policiais: usou uma corrente de moto para surrar um jornalista da revista inglesa New Music Express. Em um clube noturno, ameaçou Bob Harris, respeitado DJ da BBC. Agrediu o irmão da cantora Patti Smith. Vivia fora de controle devido aos efeitos da heroína. E foi preso, suspeito de ter assassinado Nancy no quarto do hotel. A moça foi esfaqueada na barriga e sangrou até morrer. Solto sob fiança, o baixista tentou o suicídio, foi socorrido e salvo. Em fevereiro de 1979, Sid morreu da maneira que Caravaggio temia morrer: dormindo. A combinação entre drogas e sono foi letal para o rapaz de vinte e um anos.
Se na Itália do século XVII Caravaggio foi o pioneiro de um novo movimento artístico - o Barroco - na Londres de 1975 Sid Vicious foi um dos representantes de um novo tipo de rock, que nasceu nos Estados Unidos. O punk. Sid aprendeu a tocar baixo sozinho, ouvindo Ramones, banda americana precursora do punk.
Caravaggio foi criticado por seus contemporâneos. Suas telas não reproduziam a Beleza, e sim o Feio, o Profano, o Mundano. Caravaggio não buscava inspiração nas feições dos quadros e esculturas clássicas para retratar santos, mártires e devotos. O pintor convocava ladrões, músicos de rua, ciganos, pequenos golpistas, prostitutas e os vestia como personagens bíblicos, madonas, cristãos fiéis ou pecadores arrependidos. Pintava os rostos contorcidos, os pés sujos, as mãos calejadas, os corpos castigados e a postura derrotada dos marginalizados e excluídos, transformando criminosos em protagonistas de passagens do Novo Testamento, putas em virgens, órfãos delinquentes em anjos. Na pintura de Caravaggio, os papéis principais eram sempre reservados aos desafortunados. Como nas letras das canções de Lou Reed. Pelas mãos do italiano, o submundo preto-e-branco ganhava cor, passava a adornar as paredes de burgueses endinheirados e os tetos das capelas.
O punk também foi criticado do mesmo modo que Caravaggio: repreendido por pecar pela falta de técnica, de decoro. O punk surgiu áspero e direto, igual a uma obra de Caravaggio, que pintava sem rascunhos, sem ensaios. O punk eliminou os excessos do rock progressivo dos anos 70, reduzindo melodias a poucos acordes, cortando solos de guitarra complicados e intermináveis, produzindo um som rápido, cru, sem floreios, com letras de cunho político. Chocou puritanos, moralistas, desagradou aos fãs do rock sinfônico. Caravaggio foi acusado de destruir a Pintura. O punk, de destruir o Rock.
Caravaggio também cortou excessos: em seus cenários, o fundo era constantemente raso, às vezes totalmente escuro. O foco de luz recaía sobre as expressões faciais dos ídolos, mulheres e homens pintados em estado de surpresa ou choque, de pesar ou sofrimento. As telas de Caravaggio se assemelham a fotografias de shows de rock: músicos e seus instrumentos destacados pela luz do palco contra um fundo negro.
Caravaggio é um artista moderno que foi obrigado a esperar que o mundo se tornasse tão moderno quanto ele. Foram necessários anos para que se aceitasse a ideia de que a Arte poderia se manifestar desacompanhada da beleza convencional, de que poderia ser estranha, inquietante, mas sem perder a honestidade. Visualmente, Caravaggio influenciou até mesmo o REM, banda americana dos anos 90. O REM explodiu graças ao hit “Losing My Religion”. O sucesso da música foi muito impulsionado pelo vídeo idealizado e filmado pelo diretor Tarsem Singh. O contraste entre claro e escuro, atores e atrizes encenando as telas “O Sepultamento de Cristo” e “A dúvida de São Tomás” embelezam a canção entoada por Michael Stipe. Em 1991, o vídeo concorreu a nove prêmios no MTV Music Awards. Ganhou seis, incluindo o de melhor vídeo do ano.
Caravaggio queria mostrar ao observador de suas obras que o angelical e o diabólico, o sexo, a violência e Deus poderiam facilmente, e até mesmo placidamente, coexistir na mesma cena dramática, no mesmo cavalete, na mesma tela. O compositor e cantor australiano Nick Cave incorporou a temática de Caravaggio em suas canções: letras que fundem o sagrado com o profano, o egoísmo criminoso com a culpa, a negação e a reconciliação com a fé. Cave se baseou na história de Lázaro para batizar seu novo álbum, lançado o ano passado - “Dig, Lazarus, Dig!!!” – e inspirar suas músicas. Segundo a Bíblia, Lázaro era um mendigo que, morto, foi ressuscitado por Jesus. Caravaggio montou essa cena, pintou o milagre. E escandalizou seus críticos e inimigos: usou um cadáver de verdade como modelo para Lázaro.

Contestador, visionário, depravado, direto. Brutal.

Caravaggio é puro rock’n roll.

Monday, February 09, 2009

God only Knew





"Oh my Lord don't you bother me/I'm as tired as a man can be" ("Pendulum", Mark Lanegan).


"Trouble comes in slowly/A neverlasting light comes to shine all over me/Bright in the mornin'/ Like all of heaven's love comes to shine on me/And to you who never need/Fuck yourselves, I need some more room to breathe.
Here comes the devil, buy the round/One whiskey for every ghost /And I'm sorry for what I done/Lord it's me who knows what it costs." ("Borracho", Mark Lanegan).

Será que ele lembrou? Quinze anos completos.

No dia 18 de janeiro de 1994, foi finalmente lançado "Whiskey for the Holy Ghost", segundo disco da carreira solo de Mark Lanegan. Ele se lembra daqueles tempos? Nada fáceis. Tempos de implorar para que Deus, os anjos, o Espírito Santo, o demônio....e Jack Endino o deixassem em paz. Foram os anos da heroína. O auge do vício. A gravação de um álbum que se arrastou por três anos, com quatro trocas de produtores. Jack Endino, que já havia trabalhado com o Nirvana, foi um deles. Se não fosse a intervenção de Endino, um Lanegan fora de si teria destruído todo o material gravado. Incluindo "Borracho", canção iniciada com uma voz pastosa, arrastada, em tom confessional que gradualmente acelera, cresce e...explode em desespero. "Borracho" é a condenação, a autopenitência, a humilhação de um homem que pede desculpas a Deus, pois não tem mais nada a oferecer além de...um brinde vacilante com um copo de álcool. Ouvir "Borracho" causa aquela sensação de angústia e impotência que aperta o peito quando a gente vê um bicho muito ferido, mas que ainda luta para sobreviver. É a música de uma época. De um Lanegan que nem existe mais, depositário de uma dor que só Deus realmente conheceu e testemunhou. De um Lanegan que morreu no dia 18 de janeiro de 1994.
E que ressuscitou no dia seguinte. Quinze anos antes. Quinze anos antes do show que vi em 19 de janeiro deste ano, na Union Chapel de Londres.
Naquela noite, Lanegan enfim estava perto dos anjos. Sobre sua cabeça, oito anjos em roda, tocando instrumentos de vidros coloridos. Mark Lanegan em uma igreja. Lugar que um dia ele pensou ser indigno de pisar. Durante o show - uma parceria com Greg Dulli - Lanegan não cantou "El Sol", outra faixa do esquecido WFTHG. "The sun is gone, and that's all I really know/no angels in the air/with hearts as good as gold/the closer you stand to the gates/the more the gates are closed". É, não havia mais sol. Mas os anjos estavam lá, as portas abertas (apesar do frio). E um Mark Lanegan, como sempre, humilde. Os mesmos movimentos contidos, o eterno desconforto, os olhos baixos. Chris Cornell, do Audioslave, foi certeiro ao definir o amigo em uma entrevista: "He's too uncomfortable in his own skin". Pois é. A impressão é de que Mark Lanegan deseja constantemente a invisibilidade. Para ser só voz. E é a voz sublime de Mark que inunda a platéia sentada nos bancos de orações e flutua pela nave da igreja vitoriana em estilo gótico. Que sobe pelo gigantesco pé-direito do hall, esbarra nos anjos transparentes dos vitrais, é absorvida pelas paredes que o arquiteto James Cubitt projetou em 1874. Que encosta no teto reformado graças às doações e ao dinheiro arrecadado com shows, sai pela torre danificada pelos bombardeios da Segunda Guerra....e se dissolve na noite gelada de Londres. Lanegan ao vivo, em ambiente sacro, é incorpóreo. É voz etérea e quase branca que perdeu o fardo negro e feio de anos, e anos, e anos atrás.

Será que ele se lembra de 18 de janeiro de 1994, em Seattle?
Na frente dele, após o show, não tenho coragem de perguntar. Mas tenho coragem para perguntar sobre outra data. Não tão remota. A data de um show em Lisboa. "I remember you", ele responde, voz baixa, pausada. E o olhar cuidadoso é de pergunta. "De novo? Mereço?"

Merece. Sempre.
Cheers, man.

Tuesday, February 03, 2009

Quando a Arte vira Rock, Parte CXXXIX



Portrait of Roman Laskowski, de Konrad Krzyzanowski (1872-1922), e Robert Smith, vocalista do The Cure.

Sunday, February 01, 2009

Falência Múltipla

Piccadilly Circus é o Centrão de Londres. A Sé dos caras. E o centro do Centro - ou seja, de Piccadilly - é aquela pracinha/rotatória sobrevoada por Eros. Tudo a ver: a estátua de um cupido paira sobre o Coração da cidade. E o anjinho alado aponta seu arco para o núcleo desse Coração de Pedra e Vidro. Um prédio na esquina com a Regent Street. O prédio da Virgin. O prédio que foi da Virgin, loja de CDs que fechou depois de ter lutado pela sobrevivência sob novo nome, Zavvi. A Zavvi também encerrou suas atividades. O local está lacrado, as vitrines estão cobertas por papelões. Vi há umas semanas. Mais ao lado - na área que seria o Pulmão londrino - a loja HMV tenta respirar. Todos os dias aberta até meia-noite. Comprou a independente Fopp, perto dali, em uma artéria, digo, travessa, da Charing Cross.

Fiquei encantada no dia em que me liguei que o coração do Coração da cidade mais musical do planeta era...uma loja de discos. E agora o coração de Londres parou de pulsar rock.
E o meu ficou apertado.
(Consolo: com o fechamento do comércio musical, acaba o risco da gente entrar em uma loja e dar de cara com o Morrissey pelado em uma capa de single. Pirou, tio? Tímido? Não mais. Mas continua criminosamente vulgar.)

Thursday, January 29, 2009

Quando a Arte vira Rock, Parte CXXXVIII



"Young Dutchwoman", 1930, de Moïse Kisling, e Kate Jackson, vocalista do Long Blondes.

Monday, January 26, 2009

Rock Visa

"Por que você está aqui?"

Dez dias atrás, ainda no aeroporto em São Paulo, instruí Marcinha: "Seguinte: o funcionário da imigração em Londres vai perguntar qual o motivo da nossa viagem. Diga que estamos em férias, queremos passear, ir aos locais de turismo e ponto final. Não fala nada do show, tá".
É que eu não estava a fim de complicar, de ter que dar muita explicação. De contar que nós duas planejamos a viagem exclusivamente para assistir a um show de rock...em uma capela. Que não estávamos levando os ingressos conosco. E que eles seriam retirados na noite do show, na bilheteria da igreja (igreja com bilheteria? É).
Ah. E as duas não estavam em férias. Rolou um bate-e-volta: chegada em Londres em uma sexta, show na segunda. Pouso em São Paulo na quarta de manhã. Depois do almoço eu e ela já estávamos nas salas de audiências dos nossos respectivos Fóruns, ouvindo testemunhas...

Saindo do avião, no Terminal 4 do aeroporto de Heathrow, fila da imigração. Uns quatros funcionários ingleses, cada um em um balcãozinho, estavam atendendo os passageiros. Não é necessário visto para entrada na Inglaterra. Mas todo mundo é submetido a uma pequena entrevista para admissão. Bom, às vezes a entrevista não é lá muito curta. Fiquei reparando nas pessoas à nossa frente que já estavam sendo interrogadas. Uma moça, viajando sozinha, teve que mostrar todo o dinheiro que carregava (e não era pouco). O funcionário contava lentamente cédula por cédula. Um casal, acompanhado de um bebê, exibia um bolo de documentação para uma funcionária, em outro guichê. Atrás de mim na fila, o deputado José Eduardo Cardozo conversava com uma mocinha, sem demonstrar preocupação (não me reconheceu. Ele foi meu professor de Direito Administrativo). E o careca me deixava incomodada. Dos quatro funcionários, o Careca era o mais ríspido. Bombardeava um rapaz de camiseta branca com perguntas. Depois de vários minutos, terminou a sabatina do coitado. Barrado. O Careca apontou para uma escada, mandando o moleque descer. A expressão do recusado era uma só: de pavor.
A fila andou até nós sermos as primeiras. Vagou o balcão de atendimento....do Careca. Ele fez sinal para que a gente se aproximasse. Ai.

"-Vamos juntas, Marcinha. A reserva do hotel tá no meu nome".
"-Bom dia. Nós estamos juntas".
"-OK. Mostrem os passaportes. Por que vocês estão aqui?", grunhiu o Careca.
Comecei: "Estamos em férias. Queremos ver a cidade, ir a museus, fazer compras..."
E foi aí que eu mudei de idéia.
".....ver um show de rock..."
Careca, demonstrando um certo interesse: "Show....de rock? Really!? Qual??"
Marcinha: "Gutter Twins"
"Gutter Twins? Não conheço...", disse o Careca, meio desapontado (como se não conhecer uma banda de rock fosse algo imperdoável).
Eu: "É a banda do Mark Lanegan!"
O Careca ficou na mesma. Ainda preocupado com sua ignorância musical, continuou: "Mas...que tipo de música é? É parecido com quais bandas?"
Eu: "Lembra do Nirvana?"
"Lembro".
"Então...Mark Lanegan é daquela época...daquela turma do grunge. O show vai ser em uma igreja, na Union Chapel".
Careca, levemente empolgado: "Sério!? Quando?!"
"Segunda-feira".
"Mas como eu não fiquei sabendo disso!?"
(e eu que sei?, tive vontade de perguntar)
Careca, já querendo exibir sapiência musical: "O Pondera é brasileiro, né!"
"Quê?"
"Entendeu o que ele disse, Marcinha?"
"Pondera...!? Ah....PANTERA!"
Marcinha, bajulando o homem e louca pra entrar logo no país alheio: "É!!! É simmm!!"
Eu não agüentei: "Não é não! Sepultura é brasileiro, não Pantera!"
"Márcia, da onde é o Pantera?"
"Sei lá, hehe".
Aí o Careca leu os cartões de desembarque que a gente havia preenchido no avião.
"Ei!!! Você é juíza!", disse ele, encarando admirado o um metro e meio de Marcinha postado na frente dele.
"E você....é promotora!!", continuou ele. "E vocês estão aqui para ver um show de rock!! Que legal!! Mas....enquanto vocês estão aqui...há gente cometendo crimes no Brasil!!"
Engraçadinho.
O Careca carimbou e devolveu nossos passaportes. "Bom show!! Divirtam-se!!"

E foi assim que a gente entrou em Londres. Quem diria, hehe.
Portanto, dica de viagem! Se você for a Londres, descer no Terminal 4 do aeroporto de Heathrow e tiver que enfrentar um funcionário careca na imigração....não se esqueça: você está em Londres não por causa da Troca da Guarda, do Big Ben ou da Tower Bridge.

Que óbvio. Rock é a palavra-chave e o visto de entrada no....País do Rock.