Wednesday, December 31, 2008

Música, Direito, Artes....









....em 2008...na minha humilde opinião.

Músicas

1) "Dance, Dance, Dance" - Lykke Li

Sueca de vozinha infantil, lembra a vocalista do Cardigans, Nina Persson. Tudo é lindo nessa canção quase sem instrumentos: a batida delicada, o coral no fim e principalmente o sotaque da mocinha cantando o refrão: "donce, donce, donce"...

2) "The Muzik" e "We Know All About You" - Ebony Bones

Essa maluca aí da foto. Londrina que virou queridinha na cidade, ex-atriz de novelas. Uma espécie de Outkast feminino. Disco punk para lotar as pistas!

3) "I Luv Vodka" - Tabasco e "Lose Control", Revenge of the Cybermen

Punk rock animadíssimo e...tailandês! Pong, Bom, Mon e Champ são os nomes (não onomatopéias) dos integrantes do Tabasco (!). O Revenge of the Cybermen são quatro garotos e uma menina. "Lose Control" soa como Sisters of Mercy misturado com Cramps.

Lei

Bah, nada de Lei Seca. A lei mais sensacional do ano...na verdade não é lei propriamente dita. É a Instrução Normativa n. 55/08, do Ministério da Agricultura, que regulamenta, em seu artigo 4, o modo de preparo da...caipirinha! Também regulamenta a composição e preparo do licor, da batida e da jurubeba doce, hehe.

CDs

1) "Ladyhawke" - Ladyhawke

A Madonna indie da Nova Zelândia. Mas muito mais legal! Disco para os dias de sol.

2) "Directions To See A Ghost" - Black Angels

Bateria marcial, baixo, cítara, órgãos e quilos de guitarras em músicas que parecem hinos de guerra. Disco para as noites mais compridas.

Frases em audiências judiciais (ou durante os intervalos)

"Foi com isso aqui que eu decepei ele."
Réu de crime ambiental, depois que puxou de dentro de uma sacola uma peixeira com metade da minha altura (e quase me fez infartar), para mostrar ao juiz como matou um lagarto da fauna nativa.

"Não. Eu moro só comigo mesmo".
Outro réu, respondendo à pergunta do juiz: "O senhor mora sozinho?".

"Eu não sou gay!"
Senhor de idade e casado, vítima de chantagem praticada por travesti, respondendo a uma pergunta que ninguém fez.


"Espero que você tenha escrito de forma legível. Para ele conseguir entender sua letra. Porque eu não entendo".
Juiz com quem trabalho, difamando minha graciosa e peculiar caligrafia, e comentando a respeito do livro autografado que dei para o Mark Lanegan. Invejoso.

Filmes

1) "The Dark Knight"

Cool. O promotor de justiça vira bandido.

2) "Die Welle" ("The Wave")

Em uma escola alemã, um professor de História, fã de Ramones, começa a dar aulas sobre regimes ditatoriais. Fanatismo, rock, myspace em um filme baseado em caso real. É tenso, muito tenso.

Exposição


Vi em Londres, no Museu Victoria & Albert. Política, design e cultura pop durante a Guerra Fria. Uma exposição que reúne cadeiras em forma de discos voadores, maletas de espiões russos com câmeras escondidas, uniformes de astronautas, fotos arrepiantes do Muro de Berlim, comics, projeções de 007, música de seriados de ficção científica dos anos 60 e até mesmo uma cápsula espacial pendurada no teto. Acaba no dia 11 de janeiro. Se você estiver por lá....não perca! É demais!

Sentença judicial

Um torcedor do Fluminense processou um jornal do Rio. Pedindo indenização porque se sentiu afrontado pela tiração de sarro feita pelo jornal, depois que o Flu perdeu a Libertadores e a chance de disputar o título mundial. E mais bizarro: alegando que a foto acima (genial, aliás!), publicada pelo jornal para mostrar o jogador fluminense indo ao "Mundial", era propaganda enganosa. O juiz ficou puto. Trecho da sentença: "A pretensão é tão absurda que para afastá-la a sentença precisaria apenas de uma frase: ´Meu Deus, a que ponto nós chegamos??!!!´, ou ´Eu não acredito!!!´ ou uma simples grunhido: ´hum, hum´, seguido do dispositivo de improcedência."

Livro

1) "Black Postcards: A Rock and Roll Romance" - Dean Wareham

O ex-vocalista do Galaxie 500 e do Luna entregando todos os bastidores do indie rock durante os anos 80 e 90. E admitindo que nunca atingiu o sucesso com o qual havia sonhado. Escrevi um post sobre o livro aí embaixo.

2) "Kill Your Friends" - John Niven

Não li ainda, mas dizem que é hilário. Ficção. Sátira à indústria da música. É o "Psicopata Americano" inglês. Só que agora, ao invés de yuppie, ele é empresário de gravadora indo à falência...

Ação judicial

A do ajudante geral que entrou com ação trabalhista contra empresa, pedindo indenização por doença adquirida e agravada no ambiente de trabalho (porque o moço era obrigado a carregar objetos pesados). A doença? Fimose. A sentença: "Impossível alegar que o problema no membro atingido pudesse provocar perda ou redução da capacidade para o trabalho, já que o “dito cujo” não deve ser usado no ambiente de trabalho".

Shows

The National, em São Paulo
A perfeição. Depois do show, um menino escreveu na comunidade do Orkut dedicada à banda: "Eu tenho orgulho do The National". Eu tenho orgulho do The National.

Calvin Harris, em Bruxelas
Ele, eu e um bando de adolescentes histéricas pulando. E dá pra não pular com isso?

Jane Birkin, em São Paulo
Ela, eu e um bando de sexagenárias sentadas em poltronas. Entre uma música e outra, ela contava histórias do falecido. Acho que ela ainda é apaixonadaça por ele.

Gutter Twins, em Lisboa
O show em que entreguei um livro para meu muso.
Fazer Mark Lanegan sorrir....não tem preço!

Tuesday, December 23, 2008

Em 2009, Eu Quero Ser a Ana Maria Braga

No próximo dia 2 faço trinta e quatro anos (parabéns e presentes não serão rejeitados!). Feliz, porque já descobri o que espero da vida. Aos seis anos, queria ser mãe solteira. Aos nove, chacrete. Aos vinte e cinco, PJ Harvey. Trinta e três, Mrs. Lanegan. Pois agora é definitivo. Eu quero ser a Ana Maria Braga.
E que fique claro: não é pela grana ou fama. Nem por causa da habilidade no manuseio de frigideiras, fornos elétricos, processadores de legumes (Culinária, no meu caso, é algo tão impraticável quanto Ginástica Olímpica). E ter um papagaio de látex empoleirado na janela da promotoria não é exatamente meu ideal de decoração cool.
Eu quero ser a Ana Maria Braga porque, por duas vezes (eu disse duas vezes), ela me surpreendeu com sua capacidade de..hã..."encaminhar vidas"! Não há uma palavra certeira para nomear esse dom. Vou explicar fazendo um resumo dos casos concretos:
Primeira vez: eu era promotora em São Sebastião. Faz cinco ou seis anos. Durante um verão, um rapaz foi preso em flagrante por tráfico. Ele tinha nos bolsos uma certa quantidade de droga (maconha, acho). E dólares. O cara era bem ripongo: pulseirinha de couro no tornozelo, acampado em barraca na praia de Maresias, dreads na cabeça, a cara do Zack de La Rocha, o vocal do Rage Against the Machine. Interrogado pelo juiz, o moço apresentou seu álibi. Ana Maria Braga. "A droga era minha, eu ia usar. Tatuei uma flor de henna no seio da Ana Maria Braga. Ela me pagou com os dólares. Não era dinheiro de tráfico". Eu olhei para o juiz, o juiz olhou para mim. Era uma história muito louca...para ser mentira. O que fazer? Investigar. Primeira providência: assistir ao "Mais Você" no dia seguinte e focar a vista nos peitos da apresentadora, tentando enxergar a rosa (era uma rosa, segundo o réu). Falhou. O decote era recatado. Segunda diligência: arrolar Ana Maria Braga como testemunha no processo. E isso rolou. Ela foi intimada para ir depor no Fórum Criminal aqui em São Paulo. Compareceu, desatou a falar e...confirmou a história do hippie! Tudo verdade. As palavras salvadoras de Ana Maria Braga tiveram o poder de livrar o rapaz do xadrez. A pena aplicada foi só pelo porte de entorpecente para consumo pessoal, para ser cumprida em liberdade.

Segunda vez: essa é recente, as pessoas estão sabendo. Ana Maria Braga tomou as dores de Suzana Vieira, aquela atriz veterana que se casou com um policial. Que não foi um marido modelo. Que, drogado, espancou uma moça e destroçou um quarto de motel. Que perdoado pela esposa traída, abusou da sorte e foi descoberto com a amante. Separação do casal, pedido de gorda pensão (por parte dele). E a indignação da solidária Prag.., digo, Braga, que em rede nacional aconselhou o infiel a...desaparecer da face da Terra. Tarefa que, uns poucos dias depois, ele cumpriu à risca - e com distinção.
Já faço aqui a defesa da Ana: em momento algum ela mencionou que o sujeito merecia sofrer o...como dizer?...Mal Maior! Se ele resolveu seguir a recomendação de forma cem por cento literal - e não figurada - a culpa não é da mãe do Louro José, em absoluto. Cada um sabe de si e é livre para fazer o que tem vontade, ué.
Bom, mas o fato é que, após esses dois ilustrativos episódios, Ana Maria Braga provou seu poder. Maior do que o do gênio do Akinator. E foi ontem, folheando ao acaso um livro jurídico, que o desejo de ser não mais Ana Luisa, mas Ana Maria, bateu forte. Ganhei o livro de presente. Portanto, à minha revelia. É um conjunto de textos, de diversos autores, sobre adolescentes que cometem infrações. Um deles criticava a postura dispensada por juristas à forma como são tratados os menores que delinqüem. Forma que seria muito rígida. Sério, não dá para deixar de transcrever um pedaço. Vou me dar ao trabalho de copiar, mantendo os grifos:
"Existem trabalhos sérios, mas poucos. Na sua maioria são empiristas totalitários embrulhados em papel de presente garantista que, quando se deixam abrir, avivam suas posturas (...). Lugar sempre empulhador, que serve para aplacar a falta dos neuróticos de todos os dias (...). O que há é o acolhimento irrefletido das every day theories indicadas por Baratta ou de americanismos em moda, dentre eles o da Teoria das Janelas Quebradas (...). Mas, de qualquer forma, vive-se em uma democracia, e se estes discursos satisfazem os atores jurídicos, não se pode os obrigar a sair da geléia geral em que se encontram".
Entendeu? Nem eu. Quem escreveu? Não, não foi o Tom Zé. Foi um juiz mesmo (não o conheço). O "artigo" tem umas vinte e cinco páginas. Li e reli uns trechos, pouco consegui compreender. Ou melhor, pouco quis acreditar: o subscritor dessa maravilha diz que a responsabilidade pela delinqüência juvenil é do pai. Devido ao Complexo de Édipo. E do irmão. Não do irmão do moleque traficante ou assaltante. Do Irmão. Ah, só mais um pouquinho, vai: "por detrás de toda a democracia de fachada, esconde-se, na maioria das vezes, uma postura que pode ser designada de Complexo de Big Brother, ou seja, o adolescente precisa sofrer até aceitar a amar o Grande Irmão que lhe oprime. (...). Qualquer similariedade com a postura dos pais e dos atores da Justiça da Infância e Juventude não é mera coincidência. O ato de desrespeito ao Pai da Horda (Freud), representado pelo Grande Irmão não é tolerado. Mas longe de matar o sujeito, o processo de depuração moral o submete a um aniquilamento da autonomia".
Ou seja, a culpa é da lei, da Justiça. Da família e da sociedade que impõem regras e oprimem a natureza livre da meninada, que prefere vender bagulho a fazer lição de Matemática. Sintetizando: para o Tom Zé de toga, a culpa é sua.
O que eu digo? Nada. A melhor resposta encontrei em outro livro, que cita essa frase, de autoria do Volney Corrêa Leite de Moraes Júnior (que também não conheço): "Se o ladrão violento, o estuprador, o traficante de drogas (etc.) são realmente, como pretendem alguns penalistas modernos, apenas vítimas da Sociedade, isso quer dizer que a Sociedade é moralmente muito pior do que eles, porque só alguma coisa mais vil, mais torpe e mais ignóbil que o autor de crime hediondo pode constranger alguém congenialmente puro a se tornar bandido". Nome do livro do Volney? "Crime e Castigo: Reflexões Politicamente Incorretas". Desde já e para sempre, o mais sensacional título para um livro de Direito Penal.
Bom, mas voltemos...para Ana Maria Braga e, como eu já falei, ao seu dom para "encaminhar vidas", "definir destinos" (lindo, não?).
She´s got the Power. She rocks!

Caetano, parnasianos culturais, parnasianos justo-sociais, Daniel Dantas, Gilmar Mendes...

A lista seria um pouco longa. Mas valeria a pena.
Vou pedir para o Papai Noel. Torçam por mim, por favor.
Porque se eu me transformar em Ana Maria Braga, 2009 será um Ano Realmente Novo.
(Beijos, beijos e beijos para todos que passaram por aqui durante esse ano. Boas Festas. Cuidem-se!)

Thursday, December 18, 2008

Wonderwall



Pronto, agora conseguirei trabalhar com total paz de espírito: Radiohead, The Raveonettes e Nada Surf (que não coube nas fotos) fazem companhia para Mark Lanegan na promotoria. E cobrem as rachaduras nas paredes, pois o fórum - inteligentemente erguido sobre um brejo - desabará em no máximo dez anos (segundo o Brenno, que é um juiz otimista).
Os escreventes adoraram. A moça da limpeza ficou encantada. O policial militar, maravilhado!
Convenhamos: bem melhor do que pendurar diploma, não (tem coisa mais cafona?). Ou do que botar na sala aquela mulher mal vestida, enrolada em panos, olhos vendados, segurando uma balança (né, Brenno).

Tuesday, December 16, 2008

Quando Você vira Arte



A University of Saint Andrews, na Escócia, inventou esse programinha divertido: o Face Transformer. Poste lá sua fotinho e veja como você ficaria, caso fosse um modelo (ou uma modelo) pintado por Alfonse Mucha, Botticelli ou Amedeo Modigliani. Também é possível virar mangá. Fofo.

À esquerda, um Modigliani verdadeiro. E ao lado...eu, pintada por um Modigliani muito, mas muito bebaço.

A minha foto original está aqui.

Sunday, December 07, 2008

Robin Hood e Kim Deal



Constantemente tenho a sensação de que vivo em um limbo. No meio do caminho entre dois mundos aos quais pertenço (mas que raramente se misturam). Um por profissão, outro por afinidade. Vou tentar explicar. Bom, sou promotora. De justiça. E gosto de música, de rock. Mas não dessas lástimas tipo U2, Skank. Gosto das bandas e músicos que aparecem aqui no bloguinho. Que nem todo mundo ouve. Ou que praticamente ninguém ouve, em se tratando de outros promotores e juízes. Então, quando estou entre eles, sou "a que gosta de rock esquisito", alternativo. Gravei um CD com músicas do Mark Lanegan para o juiz da Primeira Vara Cível de Atibaia. Ele ouviu e aprovou, disse que parecia Dire Straits. Depois desse insulto, desisti de abordar o assunto "música" na ala jurídica das minhas relações. Assim, comentários sobre o show do The National, o último CD do Ladytron ou o próximo do Twilight Singers ficam restritos ao pessoal que também curte rock esquisito. Geralmente pessoas que estudaram na ECA e seguiram Jornalismo ou Cinema. OK. Só que...eu estudei Direito. E trabalho no Ministério Público. E quando acontece de um "indie rocker" não-jurídico palpitar levianamente sobre minha profissão....minha irritação consegue ser duzentas vezes maior do que ouvir alguém botando Mark Lanegan e Mark Knopfler no mesmo saco.
Dias atrás conheci o traficante dos irmãos Reid e da Kim Deal. Jim e William Reid são os escoceses da banda Jesus and Mary Chain. Kim Deal é a aclamada baixista do Pixies, que hoje toca no Breeders. Conheci o sujeito não no fórum ou na promotoria, algemado. Conheci em mesa de bar da rua Bela Cintra, sentado na minha frente, gesticulando animado para contar a historinha que ele considerou incrível. Sentados conosco, dois amigos em comum que também gostam de rock (esquisito). Fui apresentada a ele como Ana, a promotora. E ele como sendo um blogueiro (mais um), um ex-dono de loja de discos (ou seja, um falido) e um sortudo que, devido a razões desconhecidas por mim, havia ciceroneado o pessoal do Breeders e do Jesus em São Paulo, quando as bandas estiveram aqui para tocar em festival. Falante e sorridente, disse que estava apaixonado pela namorada, que casaria em breve e queria filhos. Uma filha, com nome já escolhido: Manuela. Ótimo. E foi depois dessa exposição sobre planos futuros que teve início a história do show. Contou que havia recepcionado as bandas no aeroporto. Que Kim Deal era fofíssima, que os irmãos Reid eram simpaticíssimos (hã? Os dois têm fama de insuportáveis. Tão insuportáveis que não agüentam um ao outro). Que as bandas tinham um empresário em comum, excelente pessoa, apesar dos neurônios fritos e da incapacidade de articular frases conexas. Que todos eram gente-finíssima, que o trataram super bem e gentilmente pediram que ele....arranjasse droga pra todos (músicos, staff e principalmente para o cara dos neurônios). Que ele cumpriu a tarefa, mas ficou com medo de ser abordado pela polícia no caminho entre a boca e a área VIP, dada a boa quantidade de droga carregada no bolso. Que se fosse abordado teria dito para o "seu guarda" que não iria vender nada, apenas entregar para o pessoal das bandas (!). Que todos ficaram felizes com sua presteza, que após as apresentações os gringos pegaram a encomenda, entraram nas vans, fecharam as portas e se mandaram para o hotel. E que então ficou à vontade na área VIP, bebendo os restos de Veuve Clicquot.
Eu, quieta. Na minha. Não tinha a mínima intenção de dar lição de moral para o cidadão. Logo eu levantaria e iria embora para nunca mais ver o sujeito. Mas aí começou. Ele olhou pra mim, abriu um sorrisão paternal, perguntou minha idade (a mesma idade dele) e quis saber o que eu mais gostava de fazer como promotora. Fui sincera. "Botar traficante em cana". Não contente, ele continuou: quem disse que o tráfico é algo ruim? Você já viu a pobreza de uma favela? Você consegue dormir sem peso na consciência?
Bem. Nada, absolutamente nada, mas nada mesmo faz meu sangue migrar a jato para o cérebro, em velocidade superior à da luz,...do que a leve menção à odiosa, podre, nojenta..."Teoria da Vítima Social". Também chamada "Teoria da Justiça Social". Ou, como costumo dizer, "Teoria Robin Hood".
Para o "teórico-justo-social", o criminoso só comete o crime porque é uma vítima da desigualdade de classes, uma vítima da sociedade. Assim, de criminoso, o sujeito passa a vítima. Se a vítima de um assalto, por exemplo, pertence a uma classe superior à da "vítima social", ela é um "criminoso de classe", aquele que se beneficia com a injustiça social. Portanto, o crime praticado fica justificado: na verdade não é crime, mas...."justiça social".
Robin Hood, seu bando e famílias de camponeses viviam na floresta de Sherwood, na Inglaterra medieval. Explorados pelo Príncipe João, eram obrigados a pagar impostos abusivos. Vendo que seu pessoal passava fome e necessidades, Robin Hood, seu amigo Little John (obeso, embora faminto) e outros chegados pegavam arcos, flechas e iam assaltar a nobreza em seus castelos. No fim do dia, o bando voltava para o acampamento, enfileirava os aldeões e repartia o dinheiro roubado. Aí todo mundo ia confraternizar em torno da fogueira, assando uma ovelha, tocando flauta e dançando.
Segundo o teórico-justo-social, Robinho e seus amigos vivem na favela de uma grande cidade, junto com outras famílias miseráveis. São explorados pela burguesia. Vendo que seu pessoal passa fome e necessidades, Robinho, seu mano Johnny e outros chegados pegam revólver, pistola e vão assaltar os ricos nos bairros de bacanas. No fim do dia, o bando volta para a maloca, enfileira os favelados e reparte o dinheiro roubado. Aí todo mundo vai confraternizar em torno da roda de pagode, fazendo um churras, tocando pandeiro e sambando.
Tenha dó. O teórico-justo-social diz que conhece a favela, mas óbvio que não mora lá. Ele mora em apartamento e pode chegar no prédio mesmo tarde da noite, sem stress, porque não vigora na sua rua nenhum toque-de-recolher. Se morasse em favela, saberia que bandido não é benfeitor solidário. Que bandido não assalta ou trafica em nome do bem comum, mas exclusivamente em proveito próprio. Que quando acontece do traficante financiar serviço social na favela, cobra um preço alto: bico-calado, olhos fechados e fidelidade dos moradores no momento em que os homens invadirem o morro (quem dedurar, morre). E, principalmente, que a grande maioria da bandidagem não vai à zona sul roubar o Rolex do playboy, atirar nos miolos da patricinha ou vender baseado na porta do colégio Dante Alighieri. Vai roubar, toda semana, o mesmo boteco no subúrbio. Afinal, sabe muito bem que o dono não se atreverá a chamar a polícia, pois tem endereço comercial fixo para ser encontrado e sofrer vingança. Vai estourar os miolos do empacotador do Pão-de-Açúcar que foi seu amigo de infância, se ele não quitar rapidinho a dívida do pó que comprou. Vai vender o bagulho na porta da escola municipal, pois lá não tem segurança engravatado postado na frente do portão.
Ah, e outra: Robin Hood não nasceu pobre. Era nobre quando o Príncipe João deu o golpe e tomou o trono de Ricardo Coração de Leão. Robin Hood lutava também por interesse pessoal, para recuperar sua posição social. No fim da história, quando consegue, volta a ser bacana endinheirado.
Digo o que eu vi depois de oito anos na promotoria: vítima de crimes praticados por pobres é gente pobre, não rica. Minha clientela é financeiramente humilde dos dois lados: do assaltante e do assaltado, do traficante e do viciado, do homicida e do morto. Lógico que ocorrem casos de residências de alto padrão invadidas por quadrilhas armadas, de seqüestros-relâmpago de pessoas da classe média. Mas são casos que eu conto nos dedos. Toda semana, mulheres entram na minha sala, aflitas, implorando para que eu dê jeito nos seus filhos, adolescentes que estão usando e vendendo drogas para traficantes maiores de suas vizinhanças. São todas faxineiras. Várias choram, uma já soluçou agarrada no meu braço. Nunca atendi uma bióloga, uma engenheira, uma publicitária. Anos atrás, um velhinho me procurou no fórum. Desdentado, descalço, exalando odor de quem havia caminhado três horas para cobrir a distância entre a zona rural e urbana. Foi se queixar do vizinho, um rapazinho que havia entrado no quintalzinho do seu barraco e afanado um pato, o mais gordo. Contou que além do pato e do barraco, ele era dono de uma galinha e de outro pato (mais magro). Só. E que o mocinho já havia avisado que voltaria lá para passar a mão no outro pato, pois nunca seria punido pela Justiça por furtar uma somente uma ave. Eu tive vontade de pedir à juíza que o filho-da-puta do tal vizinho fosse trancafiado numa masmorra. Mas em um ponto ele tinha razão: a acusação em Juízo contra o autor do furto de um pato causaria comoção. Eu iria parar no Jornal Nacional e no Estadão (e duvido que as reportagens esclarecessem que o patão constituía 25% do patrimônio total de um lavrador). A brigada dos direitos humanos iria me malhar sem piedade, Eduardo Suplicy me telefonaria de novo (é, ele me ligou uma vez. Pessoalmente. Para pedir que eu olhasse bem a situação de um injustiçado que fora preso por engano, por roubo. Eu olhei. E descobri que o assaltante havia sido reconhecido por diversas vítimas, e que havia mandado espancar a filha de uma delas. Foi condenado e fugiu da cadeia).
Aliviar a barra de um bandido pobre, sob o argumento da injustiça social, é desrespeitar a vítima igualmente pobre mas que nunca surrupiou um fósforo, vendeu uma pedra de "crack", aplicou um golpe para suprir sua carência econômica. Se eu anunciar para um modesto pai de família que não tenho o direito de pedir a prisão do malandro pobretão, que alicia seu filho para o tráfico, porque o milionário Daniel Dantas continua em liberdade....esse senhor cuspirá na minha cara. E com toda razão. Ele paga impostos, que se transformam no meu salário. Tem todo o direito de cobrar que as autoridades garantam a sua segurança e a de sua família.
Em linhas gerais, tudo que escrevi acima eu disse para o tal serviçal do Jesus and Mary Chain. Em um tom de voz um tanto irado, admito. Em respeito aos nossos amigos em comum, que já estavam desconfortáveis com os rumos da conversa, não falei para o indie traficante que se por azar, daqui quinze anos, a Manuela dele aparecesse em casa, com os neurônios fritos e incapaz de articular frases conexas, ele com certeza iria procurar gente como eu, exigindo que o responsável fosse encarcerado. Ainda que esse sujeito fosse também responsável pelo abastecimento oficial das narinas do Morrissey ou da seringa dos últimos Ramones vivos. Não adverti o cara de que se ele fosse pego pela polícia com droga e alegasse que não iria usar nada, mas só presentear terceiros....seria preso do mesmo jeito. E que teria confessado o tráfico, pois a lei não faz distinção entre aquele que porta tóxico para vender ou para entregar gratuitamente. Desavisado, quem sabe o esperto não é preso em flagrante em março, no show do Radiohead.
Final da noite no bar, despedidas frias. Depois da revolta, lamentei. Um rapaz negro, classe média, de pensamento tão estreito, sentindo-se especial porque foi bem tratado por Kim Deal e companhia. Sim, a galera estava em terra estranha e não sabia onde arranjar uns aditivos; lógico que não trataria mal um nativo, contratado justamente para fazer o servicinho chato de office-boy na boca. Gringos tão legais que, quando as portas das vans se fecharam, o meu amigo estava do lado de fora delas, não dentro dos veículos. Ninguém o chamou para as festas. Mesmo assim ele se deu por feliz por poder consumir as sobras largadas pela descolândia fina e branca do rock alternativo.

Boa sorte, Manu.

Thursday, December 04, 2008

A Banda de Rock de William Faulkner




A voz do branquelo Mark Lanegan, vocalista convidado, emoldurada por coral gospel, feminino. Banda inglesa, rock eletrônico mesclado por soul. Soul também no nome do grupo: Soulsavers. Influências declaradas: Joy Division, o hip-hop do Public Enemy, William Faulkner.

William Faulker?

William Faulkner nasceu no Mississippi, sul dos EUA, final do século XIX. Terra emprobrecida, arrasada pela Guerra da Secessão. Entre 1861 e 1865, os Estados do Norte industrializado lutaram contra os Estados do Sul agrícola, aristocrata, escravocrata. Massacrada pelo conflito, a população sulista dividiu-se: famílias de brancos protestantes, financeiramente arruinadas pela abolição, marginalizavam os negros recém-libertados. Os ex-escravos eram impedidos de se integrar à sociedade, comprar um pedaço de chão, votar. Nascia a Ku Klux Khan. Época de degeneração moral e física. E, algumas décadas depois, também ambiental.

A paisagem, o passado, a cultura, a religião e a tensão racial do Mississippi foram matéria-prima a serviço do humilde Faulkner - que abandonou os estudos para trabalhar - na criação do cenário e enredo de seus romances. Os dramas vividos pelos personagens rudes, miseráveis, vazios de esperanças transcorriam na fictícia cidade de Jefferson, localizada no igualmente fantasioso Condado de Yoknapatawpha, no Mississippi. Addie Bundren, a doente matriarca de uma modesta família de fazendeiros, aguarda a morte em casa. Acamada, escuta seus filhos serrando, martelando e dando forma ao seu futuro caixão. Seu último desejo é ser enterrada em Jefferson. A iminência de chuva é uma ameaça à conclusão do trabalho. O capítulo inaugural de "Enquanto Agonizo" ("As I Lay Dying") é um soco no estômago. O livro narra a marcante e penosa viagem do clã Bundren carregando o caixão da falecida Addie rumo a Jefferson. Em 2007, parece que Soulsavers e Mark Lanegan providenciaram a trilha sonora perfeita para o périplo dos Bundren. A bateria sombria de "Ghosts of You and Me", segunda faixa do disco lançado ano passado, acompanha o vocal grave de Lanegan: "Goodbye Mary/Sweet Mother mine/Greyiest Sky/Gun metal eyes (...) Do it Darling, dig my grave/This cemetery is my own". Emocionante.
"Take me to the station/And put me on a train/I've got no expectations/To pass through here again/Once I was a rich man and/Now I am so poor". "No Expectations", outra canção do álbum "It's Not How Far You Fall, It's The Way You Land ", é um cover dos Rolling Stones que toca no mesmo tema de "O Som e a Fúria" ("The Sound and the Fury"), um dos principais romances do século passado: a decadência econômica e o fracasso nas relações pessoais dos homens e mulheres da família Compson, respeitada dinastia sulista descendente de um herói da Guerra Civil Americana. Já em "Luz em Agosto" ("Light in August"), o reverendo Gail Hightower é um homem amargurado, repudiado pelo povo de Jefferson e banido da igreja após um escândalo envolvendo sua esposa. Mora na cidade, mas é desprezado por seus habitantes. Torna-se descrente e começa a encarar a vida como um episódio passageiro, do qual não faz mais questão de participar. A força da autoridade da religião, a desilusão e a perda da fé aparecem na história de Faulkner e na triste letra de "Jesus of Nothing": "Jesus of nothing/Judas to touch/On my way/Going outta my head/(Last go around/Going outta my mind)/My trail's nearly ended".
A fúria da natureza, desgrançando e modificando destinos, é o mote de "O Velho" ("Old Man"), um dos dois contos de "Palmeiras Selvagens" ("Wild Palms"). "Velho" é o apelido do rio Mississippi. Na história de Faulkner, por culpa de um dilúvio, o Mississippi transborda e uma enchente de proporções bíblicas assola parte do Sul dos EUA. Prisioneiros de uma colônia penal rural têm que ser removidos; durante o traslado, um condenado negro cai da embarcação e some na correnteza. Ele sobrevive, consegue um bote. Resgata uma mulher grávida e procura ajuda. Só que a visão de sua roupa de detento bloqueia a solidariedade das pessoas, a ponto de, sozinho, não ter opção senão auxiliar a moça no momento do parto. Sua vida apenas faz sentido na prisão, e é para lá que o preso sonha voltar. Quando finalmente consegue, tem sua pena aumentada. Por....tentativa de fuga. As imagens dos efeitos de tragédias naturais, que desencadearam tragédias humanas, são parte do lindo vídeo de "Kingdoms of Rain", uma das canções mais tocantes e desesperadas que Mark Lanegan compôs (no auge de seu vício em heroína), presente no seu segundo disco solo, "Whiskey for the Holy Ghost", e que foi regravada pelo Soulsavers. No clipe, uma menina caminha pelo subúrbio de New Orleans e presencia o cenário desolador provocado pelas tempestades do furacão Katrina: casinhas arrombadas, saqueadas e abandonadas, árvores tombadas sobre telhados, cartazes com mensagens de esperança misturados a escombros e restos da destruição. Como se entoasse um hino religioso, Lanegan murmura os versos mais sublimes de sua carreira: "Are those halos in your hair/Or diamonds shining there/Without a hope, without a prayer/This rain beats down like death/You turn your eyes to better men/Before I go I'm hangin' a cross on the nail/I hung one for you in there./Girl lay your shame to rest/and hold the lies close to your breast/You stoop to feed the crows/Some scratch the truth already cold/Before I go I'm hangin' a cross on the nail/I hung one for you in there./And every kingdom of rain comes pourin' down/Cause I loved you so much/Cause I loved you so much". No final, as imagens em preto e branco da atual New Orleans são substituídas por imagens antigas, da grande enchente do rio Mississippi em 1927. A mesma enchente que é personagem principal de "Old Man".
Soulsavers com Mark Lanegan. A banda de rock de William Faulkner.

Wednesday, December 03, 2008

Akinator

Que medo!!
Meu ex-estagiário mandou o link desse site, o Akinator (por que estagiários têm o dom para achar coisas bizarras na Internet?). É um joguinho que lê seu pensamento. Você pensa em alguém famoso. O geninho tenta adivinhar quem é. Então faz perguntas prontas, do tipo..."A pessoa toca guitarra?", "A pessoa já foi presa?", "A pessoa tem pai famoso?"...que você responde somente com "sim", "não", "não sei", "provavelmente sim" ou "provavelmente não".

Bom, joguei. Sem botar fé e me achando o máximo. Nunca iriam descobrir em quem pensei! Depois de apenas vinte perguntas - e o mais impressionante: beeem genéricas - aparece a adivinhação, na forma de uma foto do....Mark Lanegan, hehe!

Tô besta.
A paixonite pelo Lanegan é tamanha que até um programinha de computador saca logo, em segundos!
Próximo post, aliás, é sobre.....
É.
(ah...o Akinator também funciona com celebridades nacionais. O Jonathan, meu ex-estagiário, pensou no Pedro de Lara (!). O gênio acertou.).